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Daniel Oliveira fala sobre a inflação e o aumento do custo de vida, considerando que "virão subidas mais significativas". Isto depois de, "como se temia", o Banco Central Europeu ter decidido pelo "aumento previsível das taxas de juro" e de o presidente do Banco Central alemão ter dito que "isto é apenas o início".
No seu espaço habitual de Opinião na TSF, o cronista afirma: "Os efeitos na vida dos portugueses e dos europeus serão arrasadores e, como sempre, haverá quem nos explique que é mau, é bom, que o que nos leva para a crise tira-nos da crise, que os eternos sacríficos um dia acabarão com os nossos sacrifícios."
Oliveira refere que "este capitalismo começa a assemelhar-se perigosamente ao comunismo". "O presente é sempre mau em nome de amanhãs que cantam. Se alguém conseguir explicar como é que o aumento das taxas de juro vai resolver o aumento do preço da energia, que resulta da guerra na Ucrânia, ou vai reverter as quebras na cadeia de distribuição causadas por dois anos de pandemia, explicará o racional de acrescentar problemas ao problema", defende.
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"Não precisam de tentar explicar. É a própria senhora Christine Lagarde que nos disse que, se a causa da inflação está sobretudo na oferta e nos preços da energia, o combate à inflação é para outros, não para os bancos centrais. Dito isto, pôs mãos à obra e aumentou as taxas de juro. Se isto não é o pináculo de irracionalidade, não sei o que seja", diz o jornalista, admitindo não ser "estranho que até Vítor Constâncio, antigo vice-presidente do BCE, seja crítico à falta de gradualismo deste caminho".
Os efeitos na vida dos portugueses e dos europeus serão arrasadores
"Estamos a trilhar o caminho dogmático que levou a Europa ao precipício em 2008 e os dogmáticos são os mesmos. A resposta é a regulação de preços, diminuição de margens e lucros extraordinários e apoio público aos investimentos nas energias renováveis para fugir às origens da inflação. Claro que o aumento das taxas de juro terá efeito na inflação, porque criou uma tal crise económica, que mesmo não havendo sobreaquecimento da economia, a recessão leva à diminuição da procura. De facto, o aumento das taxas de juro reduz o poder de compra de famílias que estejam endividadas e reduz a capacidade de investimento e crescimento das empresas", sustenta.
A dificuldade em investir atrasará a transição energética, só possível com um fortíssimo investimento público e privado, mantendo-nos dependentes do principal fator da inflação que é o preço dos combustíveis fósseis
De acordo com a perspetiva de Daniel Oliveira, a recessão "é boa para combater a inflação na medida em que é boa para destruir a economia e aumentar o desemprego, diminuindo a pressão sobre os salários".
"Se ela [a economia] está sobreaquecida ainda se pode dizer que é um regulador, assim é apenas uma forma de distribuição e até terá efeitos especialmente perversos, tendo em conta as características específicas da nossa inflação. A dificuldade em investir atrasará a transição energética, só possível com um fortíssimo investimento público e privado, mantendo-nos dependentes do principal fator da inflação que é o preço dos combustíveis fósseis. E nem se belisca na parte especulativa desse preço", assinala.
Esta não é uma inflação de origem tradicional, ela não resulta de excesso de procura, de aumentos salariais, de uma economia a bombar
O comentador explica também que "o aumento das taxas de juro não terá apenas impacto na dívida pública por tornar o dinheiro mais caro. Como reduz o consumo e o investimento, irá contrair o nosso PIB. Como a dívida se mede em relação ao PIB, o seu peso relativo vai crescer".
"A regra dos dogmáticos é que não se pode controlar os preços, coisa que o sucesso do mercado regulado de gás desmente. Só se pode mexer nos custos do trabalho, pondo os trabalhadores a pagar os efeitos da inflação. E pode-se arrasar com a economia, aumentando muito as taxas de juro, mas numa coisa eles têm razão: se morrermos todos amanhã, os preços dos produtos que consumimos ficam baixíssimos, porque a oferta é nula. Arrisco-me a dizer que fica tudo de graça", considera, argumentando ainda que "esta não é uma inflação de origem tradicional, ela não resulta de excesso de procura, de aumentos salariais, de uma economia a bombar".
Quem acha que é a democracia que está em causa, talvez deva explicar isso à senhora Lagarde
E acrescenta: "Resulta de uma guerra, por isso, tenho outra ideia para os génios do BCE: se aplicarem esta receita e provocarem uma brutal crise económica, a guerra, que felizmente parece estar finalmente a correr bem aos ucranianos, acaba mais depressa, porque nenhum governo vai conseguir convencer os mais pobres a passarem à condição de miseráveis por causa da Ucrânia."
"E a Europa deixará de ter condições políticas para manter o apoio aos ucranianos e as sanções à Rússia. Quem acha que é a democracia que está em causa, talvez deva explicar isso à senhora Lagarde. É olharem para as eleições italianas, depois das suecas, para verem o que nos espera", conclui.
Texto: Carolina Quaresma