"Lá se comeu e bebeu tudo em pleno estádio por entre as emoções do jogo, as "bocas" de quem sentia vermelho e o sorriso dos "saloios", portistas de Lisboa, contentes e sem problemas de ver o seu Porto jogar no estádio do rival." A opinião de Fernando Ribeiro na TSF.
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A primeira vez que vi o Porto a jogar foi no antigo Estádio da Luz, nos anos Oitenta. Curiosamente não jogava contra o Benfica, o jogo era de tarde, contra uma equipa britânica, creio eu, para uma competição Europeia. Acho até que o Wrehxam mas não tenho a certeza, nem muito modo de verificar. Até ao Presidente do meu clube, o Porto, (Pinto da Costa) já perguntei, mas acho que ele não tem memória, afinal são vários anos de inimizade e coisas destas, emprestar o estádio, já não se fazem entre rivais.
Fui com o meu pai, adepto do FCP, e mais um ou outro lá do trabalho que também eram do Porto, mas também se juntaram à festa vários benfiquistas. Eu levava farnel para todos, uma mochila tão pesada que me fazia andar dobrado, ora para trás, ora para a frente, até que, finalmente, lá se comeu e bebeu tudo em pleno estádio por entre as emoções do jogo, as "bocas" de quem sentia vermelho e o sorriso dos "saloios", portistas de Lisboa, contentes e sem problemas de ver o seu Porto jogar no estádio do rival já que não havia nem dinheiro, nem vida para ir às Antas ou mesmo pagar por um bilhete de futebol para uma família inteira quando o Porto descia para Sul.
A primeira vez que me atrevi a sair à rua com uma camisola do Porto vestida, tinha para aí seis ou sete anos. No meu prédio, na Brandoa, éramos os "únicos" do Porto. O Sporting mandava e tinha vários vizinhos mais velhos na Juve. Foram eles que meteram as pedras por dentro do forro de uma bola de futebol meio vazia e me disseram: vai Porto chuta e eu todo contente, pimba, biqueiro nas pedras, com o choro de menino contido, a não dar parte de fraco, trinta segundos à Porto até depois ir berrar de frustração para casa.
A segunda vez que saí "equipado" já na estava na Escola Secundária. O Porto tinha vencido, na noite anterior, 1987, o todo-poderoso Bayern de Munique, tornando-se um improvável Campeão Europeu, a segunda equipa Portuguesa a fazê-lo, depois da época dourada do Benfica. Um feito que viria a mudar a história do meu clube para sempre e que para mim selava o meu contrato perpétuo enquanto adepto dos Dragões. A minha escola não era uma escola fixe e pacífica. Era ao pé de um bairro problemático, existiam vários tumultos, mas nesse dia passeei o meu azul e branco, sem problemas, sentindo um respeito alheio pelo Futebol Clube do Porto, como nunca mais senti, apesar de todo o tempo que passou, de toda a mudança, de todas as conquistas.
Hoje, e com o campeonato bem ou mal perdido, ou apenas, perdido, queria-vos contar a todos estas pequenas histórias. A mensagem é de que, para muitos portistas, há uma ligação mais profunda que resiste a todas as polémicas e ao "diz que disse". Um elo que não torce com o vai-e-vem das vitórias e das derrotas. Uma fidelidade à Inglesa, como tanto do Porto, que se comove com as cores, com as vozes com sotaque, com o que o Porto diz da sua cidade, da sua região quando joga. Eu não sei como se sentem os outros adeptos. Desportivamente, não temos razões para estar felizes, apesar de os nossos jovens tendo conquistado mesmo agora a Europa, tenham, ao mesmo tempo, dado um sinal à direcção de que talvez haja outro caminho para um futuro que vai ser, com certeza, próximo.
E aqui está um texto sobre futebol sem nervosinho miúdo, sem ódio, só com amor-próprio clubístico, somente possível se respeitarmos o próximo (clube), se percebermos a dinâmica definitiva dos resultados e de uma vez por todas conjurarmos a moderação necessária para dar ao futebol uma cara nova. Uma cara que não esteja amassada por tanta violência (física e verbal), que não intimide, nem envergonhe as nossas crianças para que um dia também elas vão ver o seu clube, menos importados com o resultado e mais empenhados na experiência. Se calhar até podemos, afinal, ganhar todos.