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Esta semana não vai ser decisiva para solucionar a epidemia do novo coronavírus (ainda vamos ter de esperar muito em nossas casas), mas vai ser crucial para Portugal ter instrumentos de minimização da depressão económica, que a paragem forçada do país e de uma boa parte do mundo irá provocar.
António Costa anunciou algumas medidas, curtas, para tentar salvar empregos e impedir despedimentos, a pretexto da necessidade do teletrabalho ou do fecho temporário de atividade.
Na aldeia onde moro, no interior ribatejano, e onde vivem poucas centenas de pessoas, já há quem precise de ajuda para comer.
Costa não deu, porém, uma única medida de entrega direta de dinheiro aos trabalhadores, mas prometeu ajudar pequenas e médias empresas. Talvez isto funcione daqui a umas semanas, mas não funciona no imediato: tenho dúvidas que, numa crise tão especial, não ajudar rápida e diretamente as pessoas, não lhes meter algum dinheiro no bolso, seja uma solução para os problemas de curto prazo - na aldeia onde moro, no interior ribatejano, e onde vivem poucas centenas de pessoas, já há quem precise de ajuda para comer... é já com a fome, portanto, sobretudo nos locais e com as pessoas mais isoladas, que estamos a lidar.
Mas o governo, que promete lutar contra os despedimentos, é o mesmo governo que não impede, segundo um comunicado da CGTP com dois dias, que a Imprensa Nacional Casa da Moeda (uma empresa apenas com capitais públicos, uma empresa que é do Estado) tenha decidido despedir 10 trabalhadores com contratos temporários, com efeitos imediatos.
Na União Europeia os portugueses também não podem confiar.
Mesmo que alguém consiga reverter este erro, fica já enfiado mais um prego no caixão da confiança que os portugueses precisariam de manter viva, numa altura dramática, sobre as instituições que articulam o funcionamento do país.
Na União Europeia os portugueses também não podem confiar. A evidente falta de coordenação entre os países para definirem linhas de combate conjunta ao coronavírus, admitida, até, pela chanceler alemã, Angela Merkel, mostra como o aparelho montando em Bruxelas é uma inutilidade e mesmo um embaraço para o dia-a-dia das pessoas comuns.
E se olharmos para o facto de a Itália, um país da União Europeia onde estão a morrer mais de 600 pessoas por dia, sentir que recebe mais rapidamente ajuda da China e, até, de Cuba(!) do que dos outros países da União, vemos como se constrói suicidariamente um processo que cria todas as condições para uma revolta generalizada contra quem governa os destinos europeus.
Não é o facto de o BCE ter aplicado medidas para conter a inflação e de prometer comprar dívida pública e bancária até 700 mil milhões de euros que deixará as pessoas descansadas - incrivelmente, os critérios para a compra dessa dívida vão favorecer os Estados que têm pouca dívida e que precisam de menos ajuda, pelo que nos sítios onde a crise económica vier a ser mais grave, haverá menos ajudas do BCE.
É pouco menos de metade do que Portugal, sozinho, recebeu emprestado da troika para salvar as contas do Estado e da banca.
Também não é o facto de a presidente da Comissão Europeia ter anunciado 37 mil milhões de euros para combater a crise, nem de ter permitido aos países exceder as metas do défice, que pode deixar as pessoas tranquilas.
Por um lado, o montante é ridiculamente pequeno para ajudar 27 países (é pouco mais de metade do que Portugal, sozinho, recebeu emprestado da troika para salvar as contas do Estado e da banca).
Também ainda não se percebe como se pode ter direito rapidamente e sem burocracia excessiva aos três mil milhões de euros que a Europa atribui às pequenas e médias empresas portuguesas.
O país salvou a banca portuguesa da falência na sequência da crise de 2008 e após a entrada da troika em Portugal em 2011.
E esta de anunciar como uma grande coisa a permissão para ultrapassar o limite do défice orçamental soa a triste hipocrisia: desmontando o anúncio, o que a Europa está a dizer é que cada país deve safar-se com o seu dinheiro, pode endividar-se à vontade e até estoirar com as suas finanças públicas, mas não esperar nada de especial vindo de Bruxelas.
Restava-nos então, para debelar no curto prazo o risco de colapso financeiro de todo o país, que a banca nos ajudasse.
O país salvou a banca portuguesa da falência na sequência da crise de 2008 e após a entrada da troika em Portugal em 2011, com sacrifício dos contribuintes e uma enorme ajuda do Estado, que ainda hoje come uma boa fatia dos recursos governamentais - não nos esqueçamos que o Novo Banco ainda quer perto de mil milhões de euros do Fundo de Resolução, que o Estado financia.
A Caixa Geral de Depósitos foi a única instituição a admitir uma moratória de seis meses nos créditos a particulares e a empresas.
Seria de esperar que a banca estivesse agora na linha da frente das soluções que podem ajudar a combater a crise económica que o COVID-19 trouxe e que ameaça de ruína as empresas e os trabalhadores.
A Caixa Geral de Depósitos foi a única instituição a admitir uma moratória de seis meses nos créditos a particulares e a empresas, que permitirá às pessoas manter as suas casas, os seus automóveis ou diminuir a pressão sobre a tesouraria.
Todos os outros bancos limitaram-se a eliminar comissões bancárias e a dar acesso a novas linhas de crédito em condições que, ainda por cima, não levam em conta a realidade atual de fragilidade das empresas.
Esta semana é decisiva para salvar a economia do país.
Ou seja, tirando o banco público (e mesmo sobre esse ainda estou para ver como decorre a aplicação prática da moratória ao crédito), a restante banca, cujo negócio todos nós salvámos ao longo dos últimos 10 anos, é incapaz de estar à altura das circunstâncias e de se colocar na primeira linha da salvação da vida financeira dos seus clientes.
Esta semana é decisiva para salvar a economia do país - é preciso decidir medidas que efetivamente permitam que haja dinheiro a chegar às pessoas e às empresas (e olhem: duvido que as empresas de comunicação social portuguesas sobrevivam a tudo isto...).
Para salvar países da miséria, quem tomar mais cedo medidas corajosas e arrojadas, inevitáveis, mais hipóteses tem de se sair bem.
Para combater o coronavírus já se sabe que quem mais cedo tomou medidas corajosas e arrojadas, melhor se saiu e mais vidas salvou.
Para salvar países da miséria, quem tomar mais cedo medidas corajosas e arrojadas, inevitáveis, mais hipóteses tem de se sair bem, mais hipóteses tem de salvar a vida das pessoas.
Se assim não for, só podemos esperar tempos de fome e de revolta: revolta contra o Governo, revolta contra a União Europeia e revolta contra a banca.
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