Corpo do artigo
Estando há mais de 30 anos no jornalismo político, não deixo de me surpreender com a criatividade da intriga palaciana. É difícil perceber onde os políticos querem chegar quando apontam para o que, de forma evidente, se for feito, atenta contra os superiores interesses do povo. Se é em nome do povo que governam, como podem deliberadamente colocar os seus interesses à frente dos interesses do país? Quando se faz esta pergunta, espera-se sempre que seja apenas intriga, a informação de que pretendem criar artificialmente uma crise política.
Esta semana foi um fartote. No mesmo dia em que o governo apresentou o orçamento, tendo a esquerda anunciado que, como estava, votava contra, fontes partidárias forneceram às redações um enredo que terminava com o orçamento a ser chumbado. No dia seguinte, já se explicava que o chumbo interessava a António Costa. Marcelo, que adora intriga, avisou que o episódio que se seguia ao chumbo do orçamento eram as eleições antecipadas, dando lenha para quem quisesse imolar-se pelo fogo. Avançou Rui Rio, tentando um golpe de estado interno, sonhando ser novamente candidato a primeiro-ministro, sem ter de passar pelo escrutínio dos militantes do seu partido.
TSF\audio\2021\10\noticias\15\15_outubro_2021_a_opiniao_jose_paulo_baldaia
A tese das eleições antecipadas que interessariam a António Costa, por estar cansado, por temer piores condições em 2023, para apanhar o PSD com as calças na mão, fosse qual fosse a razão, terá convencido metade do mundo, deixando a outra metade a tentar perceber como poderia alguém estar interessado em ir para eleições, para tentar governar um país que, com este gesto, iria encontrar em pior estado por sua própria responsabilidade.
Na verdade, se eu fosse jornalista no ano 64 depois de Cristo, e tivesse como fonte um senador que me dava a informação sobre a intenção de Nero pegar fogo a Roma, iria duvidar, porque a capital do Império a arder não interessava a ninguém. Não consta nem que Nero tenha assumido alguma vez ter sido o mandante e até se sabe que preferiu acusar os cristãos, nem que António Costa tenha confessado a uma só pessoa que fosse a sua vontade de ir de novo para a estrada fazer campanha ou tão só entregar os destinos do partido a outra pessoa.
Vejo demasiados responsáveis políticos de harpa na mão, muita intriga palaciana, irresponsabilidade quase criminosa se pensarmos que a economia deste país é tão frágil que o leve bater de um teclado pode ter a força do vento e espalhar o fogo que tudo destrói. Há um país inteiro que merece mais respeito.