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Quando se fala da guerra é preciso coragem para dizer alguma coisa além do óbvio, porque fazê-lo implica quase sempre ser tomado por um defensor de Putin, mesmo que a primeira coisa que se diga seja o mais óbvio: a invasão da Ucrânia pelo exército russo é uma monstruosidade e Vladimir Putin é um criminoso.
Na guerra, é preciso estar sempre a recorda-lo, os pacifistas são considerados como traidores por ambos os lados da barricada. É por isso que me parece justo assinalar a coragem de Miguel Sousa Tavares, quando escreve no Expresso que "a coragem está na paz, não nos falsos heroísmos", sem se coibir de criticar o comportamento de Zelensky, apesar de começar o seu texto lembrando a responsabilidade do presidente russo nesta guerra.
De igual forma, quando olhamos para o comportamento do nosso lado do mundo, vemos que o Ocidente ainda não foi capaz de trabalhar para a paz, preferindo exigir aos ucranianos que se sacrifiquem heroicamente em nome de uma liberdade cujo preço não faz sentido que seja um número indeterminado de mortos.
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É evidente que muito do que a Europa e os seus aliados atlânticos estão agora a fazer, para tentar convencer os russos a parar com as atrocidades que estão a ser levadas a cabo na Ucrânia, já devia ter sido feito há muito para conseguir o efeito dissuasor pretendido. Milhares de anos de história tanto nos ensinaram que os frágeis equilíbrios na relação entre os homens podem ser quebrados pela acção de um louco que se julga predestinado como, desde os tempos dos romanos, que sabemos que quem quer a paz se deve preparar para a guerra.
Regressando a Miguel Sousa Tavares. Tem toda a razão quando nos convoca para a necessidade de lutarmos pela paz, deixando bem vincada a nossa solidariedade com a vítima e a nossa condenação ao agressor. A mim parece-me que, depois disso, a crítica a fazer deve ser, sobretudo, dirigida à União Europeia. Não percebeu o que se estava a passar, não foi capaz de dissuadir Putin de invadir a Ucrânia, faz proclamações de grande união entre os 27, sanciona a Rússia, mas só até ao ponto em que o embargo ao gás não avança, porque isso pode pôr em causa as noites quentinhas dos cidadãos do centro da Europa. Isso e uma mais que evidente escalada de preços na energia, que já está a ter repercussões em todo o mundo.
Por detrás do manto de uma imensa solidariedade, verdadeira no que diz respeito aos cidadãos, hipócrita no que diz respeito à maioria dos governantes, os ucranianos são vistos com carne para canhão. Todos esperam que resistam até que o número de mortos seja tão alto que obrigue todas as partes a negociar uma paz em que ninguém seja obrigado a dizer que perdeu.