Corpo do artigo
Em política, é muito raro encontrarmos, de forma explícita, o reconhecimento do erro. Mais ainda, quando a constatação desse erro implica a revisão de anos e anos de uma mesma estratégia.
Pois foi exatamente isso que o SPD, o partido alemão que é o equivalente ao nosso Partido Socialista, fez em relação à sua política de anos, mesmo décadas, face a Moscovo. Em Janeiro foi divulgado um documento pela sua Comissão Política com o título "Respostas sociais-democratas a um mundo em convulsão". O que levou a este documento? Nas suas palavras: "A guerra de agressão da Rússia à Ucrânia é a rutura mais brutal até hoje com os princípios fundamentais da ordem internacional que foi arduamente estabelecida no pós-Segunda Guerra Mundial."
O texto é muito importante por três razões.
TSF\audio\2023\05\noticias\29\29_maio_2023_a_opiniao_raquel_vaz_pinto
Em primeiro lugar, estamos a falar de um partido que é, do ponto de vista histórico, o decano dos partidos alemães e, hoje em dia, a grande força da coligação governativa a começar pelo Chanceler Olaf Scholz. Estamos a falar da Alemanha, do principal estado europeu com cerca de 84 milhões de habitantes, "A" grande economia e um país cada vez mais importante na União Europeia.
Em segundo lugar, porque os sociais-democratas alemães fomentaram a convicção, também muito partilhada com o democratas-cristãos da CDU, face à Rússia da famosa política de "mudança através do comércio". A avaliação feita agora, em 2023, pelo SPD é muito dura: "A nossa insistência na presunção de que laços económicos mais fortes contribuiriam para a estabilização e democratização a longo prazo da Rússia foi um erro. Pelo contrário, a Alemanha tornou-se unilateralmente dependente da Rússia na sua política energética, falhando por completo em reconhecer a dimensão securitária dos nossos fornecimentos de energia".
A terceira razão é a forma aberta como o SPD reconhece o falhanço, sem "mas", "ses" ou meias-verdades. Nas suas palavras: "A Rússia revisionista e imperialista considera grande parte da Europa Oriental dentro da sua esfera de influência. Putin nunca reconheceu a integridade territorial e a soberania política de muitos estados europeus orientais, uma realidade à qual prestámos muito pouca atenção até ao ataque à Ucrânia."
Como calculam, não concordo com tudo o que está neste documento de 22 páginas, mas a frontalidade e humildade na relação do SPD com Moscovo merecem, da minha parte, um grande elogio.
Desejo a todos os ouvintes uma boa semana.