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O rápido envolvimento de forças regionais naquela que ganha forma de guerra civil a cada dia, poderá rapidamente transformá-la na próxima "proxy war" em África, juntando-se assim à fronteiriça República Centro Africana, onde uma guerra proxy também decorre, à República Democrática do Congo, à Líbia, ao Mali, tudo cenários proxy.
Menu Guerra Civil
Já dois cessar-fogos de três horas, coisa simples para "varrer as ruas", não foram respeitados na íntegra pelos paramilitares das Forças de Apoio Rápido, o conflito alastrou perigosa e compreensivelmente (na lógica do padrão Guerra Civil) para zonas habitacionais, sem qualquer interesse militar ou estratégico. Este alastrar inclui bombardeamentos aéreos sobres estes bairros. A escalada dos pontos de conflito, país adentro e afora foi crescendo e desmultiplicando-se, em apenas uma semana. Os egos do General Burhan e do "semi-general" Hemetti, também dão garantias de escalada e aproveitamento das ajudas internacionais para capitalizar regional e internacionalmente o "lombo do conflito", que surge num cenário macro de "bipolaridade tripartida", com Ocidente versus Rússia e China. Perante isto, certo é que ambas as partes do conflito vão facturar!
Menu "Proxy War"
"No Sudão nem o Exército Nacional é um Exército Nacional, nem as Forças de Reacção Rápida (FAR) são um Exército Nacional", foi título da Análise no Diário de Notícias de terça-feira 18, sobre o Sudão, a partir das declarações de Alaaeldin Nugud, da Associação Profissional Sudanesa, um dos signatários do Acordo para a Transição de Soberania, de 2022 e reassinado há agora um mês.
Apoios das FAR
O "semi-general" Hemetti das FAR, tem laços próximos com a Arábia Saudita e Emirados Árabes Unidos, porque forneceu 40 mil homens para a guerra do Iémen, em 2016/17 e ficaram-lhe com esta divida. Ou seja, estes árabes veem nas FAR um corpo de intervenção contratável e tudo farão para manter estes 100 mil homens em forma! Tem também laços próximos com o Marechal Haftar da Líbia, porque também lhe forneceu mil homens em 2018 e Haftar deverá ser a fonte de recente apoio chegado às FAR, apesar de o negar.
O já omnipresente Grupo Wagner, instalado na vizinha República Centro Africana, joga com Hemetti o jogo da "Máfia do Ouro", em África. O principal activo que Hemetti ganhou dos tempos do ex-Presidente Omar Bashir, foram minas de ouro. É cada vez mais publica uma ligação do líder das FAR aos Wagner russos, por via do suposto fluxo de ouro que escoa para a Rússia, por intermédio dos paramilitares das Wagner. Dado curioso agora contabilizado, foi a presença de Hemetti em Moscovo, dois dias antes do início da guerra na Ucrânia. A Rússia, através dos Wagner, passa a estar implicada na guerra civil do Sudão. Em cenário bipolar, obriga os americanos a tomarem a posição contrária!
Apoios do Exército Nacional do "CEMGFA" Burhan
Egipto. Há aliás militares egípcios capturados pelas forças FAR. Os mesmos têm como justificação exercícios e formação conjunta na República do Sudão. Normal, mas obriga desde logo a uma tomada de posição do Estado-Maior egípcio. Sissi está com Burhan, até porque não interessa ao "ditador eleito" uma "florescente democracia" no Sudão, como se diz em Hollywood!
Rússia. É verdade, tem interesse nos dois lados. Porquê? Porque todos os exércitos em África compram armamento à Rússia. É aqui que a China é sugada para dentro deste cenário enquanto alternativa que depende da procura do mercado da guerra. A China, que já não é totalmente dependente do petróleo da República do Sudão e que teve que jogar um jogo duplo aquando da independência da Sudão do Sul, onde está a fonte do mesmo, deverá ficar ao lado de Burhan, já que nestes tempos de incerteza, manter esta fonte de combustível em carteira, dá ainda mais garantias à presença militar chinesa no não distante Djibuti, num dois em um regional com ambições continentais. A China brevemente abrirá mais bases militares em África e só precisa de desculpas como esta para o fazer, maximizando recursos, influência e ganhos.
Os Estados Unidos da América, também omnipresentes de longa data, são o jogador mais conservador, por muito que nos filmes apareçam como os "mavericks salvadores"! Apostam sempre no "status quo" até à última e nos dois lados também, sendo que neste cenário o interesse americano é manter o inimigo principal debaixo de olho, a China, com capacidade e vontade para fazer de África o principal "tabuleiro proxy", na disputa com americanos, que a guerra faz-se longe de casa. África, sempre a meio-caminho para tudo e para todos!
Quanto aos fronteiriços Sudão do Sul, Etiópia e Eritreia estão no "wait and see", embora lhes sirva mais um Sudão sem esta "luta de galos". Estarão com Burhan, muito também pelo risco das vagas de refugiados que poderão receber, facto que já cria o pânico nos governantes, militares e polícias no Chade, a reforçarem a longa fronteira com o Darfur.
O Darfur deverá explodir de novo e só Hemetti o poderá sossegar, outro prato para o "Menu Guerra Civil". Enquanto isso, posicionam-se os peões internacionais para a "nova proxy war" do ano 2023 em África. É no Sudão, mas são americanos, russos e chineses que mandam!
A Acontecer/A Acompanhar
- Entre 12 de Abril e 17 de Junho, em Marraquexe, Exposição "DISPOSITIONS & NOTHINGNESS", de Mariana Viana e Kátia Sá, na Galeria da Fundação Dar Bellarj;
- Todos os domingos, na Telefonia da Amadora, entre as 21h e as 22h, Programa "Um certo Oriente", apresentado pelo Arabista António José, um espaço onde se misturam ritmos, sons e palavras, através das suas mais variadas expressões, pelos roteiros do Médio Oriente e Ásia.
Raúl M. Braga Pires, Politólogo/Arabista, é autor do site www.maghreb-machrek.pt (em reparação) e escreve de acordo com a antiga ortografia.
