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O polémico caso de Alexandra Reis, ex-administradora da TAP e atual secretária de Estado do Tesouro, não escapou ao escrutínio de Daniel Oliveira no habitual espaço de opinião na TSF, esta terça-feira. Para o jornalista também não é claro como é que Alexandra Reis tinha direito a meio milhão de euros de indemnização depois de estar apenas dois anos no conselho de administração da companhia aérea e apenas cinco na empresa.
"Não sou dos que acha que os administradores das empresas do Estado devem ter piores salários ou condições do que os do privado porque isso seria assumir que as empresas públicas podem ser pior geridas do que as privadas, mas não é fácil perceber como é que a TAP anunciou em fevereiro que a ex-administradora tinha renunciado ao lugar e agora sabemos que foi generosamente indemnizada por isso. Lendo aquele comunicado, é que não foi demitida. A não ser que tenha sido convidada a renunciar para a empresa chegar a um acordo que permitisse pagar-lhe menos do que se do que se fosse despedida, o que quer dizer que a indemnização seria ainda maior", esclarece Daniel Oliveira.
De uma coisa o jornalista não tem dúvidas: se a saída de Alexandra Reis da TAP resultou de um "choque de personalidade" com a presidente da companhia, a "birra saiu cara".
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"Os gestores explicam-nos as enormes vantagens de uma maior flexibilidade laboral e garantem para si mesmos níveis de segurança a que ninguém tem acesso. Não espero que isso alguma vez seja escrutinado porque se assumiu que os gestores de empresas privadas não têm de prestar contas pela forma como tratam os seus trabalhadores e se tratam a si mesmos. O debate só não é legal porque é mais do que isso. A forma como a elite económica, de que a política transformada em tecnocracia se aproxima cada vez mais, garante regimes de proteção especial para si mesma enquanto atira cada vez mais trabalhadores para a precariedade absoluta. Note-se que Alexandra Reis não teve cargos políticos nem partidários antes de ir para o Governo", explica o jornalista.
Para Daniel Oliveira, Alexandra Reis corresponde ao tipo de governantes mais populares nos dias de hoje: os tecnocratas.
"Até entrar na administração da TAP era uma engenheira com experiência na área logística, sem notoriedade ou experiência política. Deu nas vistas na TAP pela execução do plano de reestruturação com um corte de um quarto da massa salarial e despedimento de trabalhadores. Parte do dinheiro poupado foi para a sua indemnização", lembra.
Agora, espera que a TAP esclareça o Governo para que o Governo esclareça os portugueses, partindo do princípio de que o Governo não sabe o que aconteceu com a administradora "depois de sacar meio milhão à TAP".
"Foi para a NAV, também do Estado, e, de seguida, para o ministério das Finanças. O Presidente da República disse que estes valores fazem impressão ao comum dos portugueses. Talvez o português que vive do seu trabalho, a quem se aplicam leis laborais e as suas miseráveis indemnizações por despedimento fique impressionado com dois anos numa administração, a reestruturar uma empresa e a despedir pessoas, dar direito a meio milhão de indemnização. E faz-lhe impressão porque é impressionante. Talvez faça ainda mais impressão que o Governo não compreenda que quem acabou de levar meio milhão de uma empresa salva com dinheiros públicos terá dificuldade em ser politicamente respeitada quando, como secretária de Estado do Tesouro, pedir prudência na gestão dos dinheiros públicos. Não é incapacidade de entendimento do português comum, é falta de bom senso do Governo, demasiado metido na sua bolha", acusa Daniel Oliveira.
O jornalista acredita que Alexandra Reis perdeu credibilidade e, por isso, terá dificuldade em explicar como vai conter a despesa em saúde ou educação, recusar aumentos dos funcionários públicos ou não colocar mais médicos nas maternidades depois de ter levado meio milhão de euros ao Estado por dois anos na administração da TAP.
"Defendi e defendo que salvar a TAP é salvar o Hub e salvar o HUB é defender uma das nossas principais atividades exportadoras. Sendo Portugal o terceiro país europeu mais dependente do turismo, não podíamos correr o risco de perder o Hub para Madrid, por exemplo. Mas gostava que a administração da TAP interiorizasse aquilo que passa a vida a dizer aos trabalhadores da empresa sempre que fazem uma greve: a TAP foi salva com o nosso dinheiro. Aquele meio milhão é nosso, é aviltante vê-lo ser gasto assim e ver que a torre de marfim é tão alta que ninguém se apercebeu que quem recebeu esta indemnização não podia ir gerir as contas públicas de um Governo que consegue excedentes orçamentais enquanto corta em serviços públicos, salários e pensões reais", acrescenta o jornalista.
Texto: Cátia Carmo