Corpo do artigo
Um aniversário motiva mais dar um passo para o futuro que um olhar para o passado. Haverá, sem dúvida, quem nesses dias empurre a TSF para o futuro, mas de mim acho que se espera um regresso ao passado. Quase como se fosse algo afixado num quadro referencial, tenho três palavras cravadas a fogo na minha memória: esta rádio bissexta. Três palavras que não completam o que foi dito às sete horas da manhã de 29 de fevereiro de 1988, e o que foi dito acrescenta a esta rádio bissexta a certeza de ficar nos vossos recetores 24 horas por dia, com música e notícias.
TSF\audio\2023\02\noticias\27\david_borges
O que foi dito às sete horas da manhã de 29 de fevereiro de 1988 parece estar a ser dito agora, ainda que já tenham as palavras o peso de 35 anos. E a voz que se ergueu da nova rádio era, é, a de Emídio Rangel, criador e diretor da TSF Rádio Jornal, assim tinha que ser ainda que fosse, e seja, apenas TSF. Bastou sempre assim. TSF. Para ser o que foi e para ser o que é. Palavras que a voz soltou, cedo, num dia que pareceu ser igual ao dia que Sophia de Mello Breyner imortalizou.
Essa foi "a madrugada que nós esperávamos, o dia inicial inteiro e limpo, onde emergimos da noite e o silêncio e livres habitámos a substância do tempo". TSF, a paixão da Rádio, e pela qual passámos a ir ao fim da rua e ao fim do mundo. Tantos fins de mundo, com orgulho enchendo o peito, como naquele momento no Koweit, descobrindo-me numa rotunda em festa, a emitir por telefone satélite, eu e o Joaquim Herrera, numa linha de comunicação com o mundo, em que estavam lado a lado as cadeias norte-americanas, a BBC e a TSF. Momento de consagração global desta rádio bissexta, nascida do génio, agora esquecido pelo peso do tempo e por ação deliberada ou omissão perversa, e cujo nome a memória não pode apagar, Emídio Rangel. Nós, todos os outros, fomos seguidores dele, nesta rádio bissexta, erguendo em conjunto valores, profissionalismo, competência, qualidade, combatendo sempre a preguiça, o comodismo, a inércia, sempre perguntando o que podíamos fazer para ser diferentes, como podíamos marcar a diferença para os outros. E sempre avisando: o melhor improviso é o que está escrito, papel lido é papel morto. Nunca deixando escapar o erro técnico ou de português, sempre tocando o telefone no momento seguinte ao do erro, para alguém, do outro lado, deixar a mensagem corretora e crítica.
Nesta Rádio bissexta, caminhávamos conscientes da responsabilidade adquirida nessa madrugada porque esperámos, nesse dia inteiro e limpo, onde emergimos da noite e do silêncio, e livres passámos a habitar a substância do tempo. Deixo hoje, nesta Rádio Bissexta, a expressão do meu orgulho por dela ter feito parte, e também, e principalmente, um grito pela memória e pela recusa do esquecimento. Esta Rádio Bissexta tem um nome, TSF, e essas três letras têm outro nome por trás, Emídio Rangel.