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Com a última actualização oficial e provisória a indicar 1037 mortos contabilizados, 1200 feridos dos quais 205 são graves, trata-se de um momento agudo para Marrocos e para os marroquinos. Já lá iremos!
Com a informação disponível, que é vasta, oficial e através do "cidadão-repórter" que todos podemos ser com um telemóvel em riste, é possível dizer que as zonas mais afectadas são rurais e montanhosas, de difícil acesso, o que está a dificultar a assistência a essas populações. As cidades "ficaram a salvo, salvo seja"!
É aqui que o momento poderá ser de elogio. Porquê?
Porque a escala de construção de bairros de habitação social e de habitação "social-burguesa", com melhor qualidade de construção, nas últimas duas décadas em Marrocos, foi de tal forma brutal, que conjugado com a brutalidade da burocracia, dos carimbos e das autorizações, seria espectável um cenário à turca, com centenas de edifícios que desmoronaram porque os carimbos a validar uma construção antissísmica tinham sido comprados. As imagens, os relatos, permitem-nos concluir que não é o caso, confirmando-se uma vez mais a chamada "Excepção Marroquina", que pautou o reino durante a Primavera Árabe no contexto do caos generalizado de Trípoli a Sanaa e mesmo antes disso, na relação estabelecida com a União Europeia no contexto do Magrebe e dos Estatutos Avançados concedidos. O sismo desta sexta-feira oito em Marrocos (6,8 Richter), é equivalente ao da Turquia em fevereiro (7,6 Richter) em violência, mas não tem comparação no grau de destruição e mortos. Há 7 meses lamentávamos 50 mil mortos, os números de hoje não têm comparação! Marrocos cumpriu com as modernas regras da construção segura. Mabrook!
Porque empresas de construção chinesas e turcas (lá está), operam ou operaram em Marrocos nos últimos 20 anos. Embora concentrados sobretudo na construção de infraestruturas, também não há notícias, imagens, relatos de pontes ruidas ou tuneis sem saída. Neste âmbito também correu tudo bem.
Porque nas conversas de café entre estrangeiros residentes em Marrocos, surge sempre a conversa de nunca habitar um apartamento para lá do 2ª andar, enquanto forma preventiva e demonstrativa das desconfianças sobre a qualidade/regras da construção.
O copo meio cheio, indica para já que as cidades aguentaram este abalo e foi o campo, com as suas construções ancestrais, muitas delas de pedra-sobre-pedra que ruíram, decretando a morte a casas e muros centenários, bem como a quem por aí se abrigava. O relato de um português pelas zonas montanhosas do Toubkal e do Atlas, é de cenário de catástrofe relativamente a estes desmoronamentos.
Regressando ao "momento agudo para Marrocos e para os marroquinos" do primeiro parágrafo, o agudo agora será organizar e coordenar resgates e desbravamentos internos, à medida que se vão descobrindo vulnerabilidades e faltas de meios, o que obrigará o "vértice da pirâmide" a aceitar a ajuda externa disponibilizada. Há pouco alguém dizia num canal televisivo, "Marrocos foi uma colónia francesa e nestas alturas, os laços que se mantêm entre ex-colonizado e ex-colonizador falam mais forte e os franceses deverão ser os primeiros a avançar com ajuda". Errado vezes dois! Os ex-protectores Espanha e França (Marrocos sempre foi um Protectorado e nunca uma Colónia), são quem nestas alturas se evita para não se exporem os pequenos segredos do urbanismo e da segurança e defesa pós-protectorado. Neste sentido e após a disponibilização manifestada pelas autoridades portuguesas, mais as excelentes relações entre ambos os países e colaborações anteriores no âmbito do combate a incêndios, não seria exótico ver Portugal a ser o primeiro convidado a avançar com homens, tecnologia e o "saber fazer português" que os nossos bombeiros, Protecção Civil, GNR e INEM, já validaram pelo mundo inteiro!
Copo completamente cheio para a comunidade portuguesa residente em Marrocos, sem incidentes a registar. São cerca de duzentas empresas nacionais, equivalente a trezentos portugueses em permanência no reino. São "cerca" e "equivalem", porque os "portugueses a serem portugueses" nunca se inscrevem no "Consulado da sua Freguesia", dificultando contactos, actualizações e socorro em casos análogos a este. Felizmente a informalidade do whatsapp garantiu-nos que estão todos a salvo!
Raúl M. Braga Pires, Politólogo/Arabista, é autor do site www.maghreb-machrek.pt (em reparação) e escreve de acordo com a antiga ortografia
