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Daniel Oliveira acusa as elites sociais, nas quais inclui parte da classe jornalística, de desprezarem o papel da oposição e valerem-se do argumento do estado de emergência para menorizar certos partidos. No espaço de opinião que ocupa semanalmente na TSF, o comentador abordou o caso do líder do PCP, que foi questionado sobre se não deveria estar confinado em casa durante as celebrações do 1.º de Maio.
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O jornalista esclarece que não é a ação da CGTP no 1.º de Maio - sobre a qual admite ter dúvidas - que pretende discutir, mas, sim, a "menorização de um partido, por via da idade do seu líder". É que, com 73 anos, o secretário-geral do PCP, Jerónimo de Sousa, pertence a um grupo de risco no contexto da pandemia de Covid-19. Por este motivo, diz Daniel Oliveira, alguns consideram que se lhe impõe o dever de ficar confinado. Só que, na opinião do comentador, "esta suposta preocupação com os mais velhos está a transformar-se, na realidade, num processo de infantilização e anulação da sua presença na vida pública".
"Para muitos, o exemplo de civismo que [os idosos] têm de dar é morrerem civicamente", atirou.
A suposta preocupação com os mais velhos está a transformar-se num processo de infantilização e anulação da sua presença na vida pública
Daniel Oliveira lembra que a jornalista que perguntou a Jerónimo de Sousa se não deveria estar em casa no Dia do Trabalhador pertence ao mesmo canal televisivo que teve o líder do PCP como convidado de um programa de humor, em pleno estado de emergência. Algo que, defende, demonstra "a inversão de prioridades que se quer impor ao país".
O comentador considera também que a mesma jornalista nunca se atreveria a colocar tal pergunta a Marcelo Rebelo de Sousa. De notar que se Jerónimo de Sousa nasceu em 1947, o Presidente da República nasceu em 1948. E, de acordo com Daniel Oliveira, ninguém ousaria perguntar a Marcelo, durante um ato público, "se ele não deveria estar em casa, e, muito menos, se pode passar de um concelho para outro, porque a sua função o pode exigir e o país não pode ficar sem instituições". O jornalista sublinhou, no entanto, que as instituições em causa incluem o Presidente da República e o Governo, mas também a Assembleia da República, "com natural destaque para os líderes partidários".
A jornalista fez a Jerónimo uma pergunta que nunca se atreveria a fazer a Marcelo
A que se deve, então, esta diferença de tratamento? Daniel Oliveira está convencido de que uma das razões é o "desprezo pelo papel da oposição", que leva à crença de que "ministros e presidentes podem estar no ativo, mas os líderes dos partidos da oposição em quarentena". Mas aponta também o "paternalismo" característico da sobranceria social da elite (onde diz incluir-se boa parte dos jornalistas), que trata Jerónimo de Sousa como "um operário velhinho e simpático".
"A proposta de enclausurar em casa o secretário-geral de um dos cinco principais partidos portugueses é coisa que não lembraria a ninguém, mas lembra a muitos nestes dias", afirmou Daniel Oliveira.
Agradeço esta pandemia ter apanhado no poder pessoas que não a veem como desculpa para calar opositores ou limitar a liberdade
"Como a ministra da Saúde explicou, não estamos perante uma emergência autoritária - com a qual tantos sonham - mas perante uma emergência sanitária. Os limites têm em conta critérios práticos, não critérios de princípios absolutos", referiu. "Aos deveres de confinamento - que não são nem nunca poderiam ser compulsivos para quem não está infetado - contrapõem-se outros deveres, que, no caso de um líder partidário, não são pequenos."
"Com todos os defeitos que este Governo tem, agradeço todos os dias esta pandemia ter apanhado no poder pessoas que não a veem como desculpa para calar opositores ou limitar a liberdade para além do absolutamente indispensável. Já percebemos que, se fossem alguns a mandar, outro galo cantaria", concluiu.
Texto: Rita Carvalho Pereira