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Não é fácil encontrar, como tem vindo a acontecer há largas semanas, períodos consecutivos com tantas notícias e polémicas visando titulares de cargos públicos. Das incompatibilidades de ministros às nomeações de adjuntos sem experiência profissional, das investigações judiciais a autarcas aos casos de membros da Oposição igualmente envolvidos em inquéritos do Ministério Público, não há um dia sem uma (ou várias) novidades que contribuem para uma perceção claramente negativa de quem está na política.
Já todos sabemos o quão perigosa é a ideia de que todos os políticos são corruptos, ou merecedores de desconfiança à partida. É dessas frases feitas e de generalizações que se alimentam os populismos. Mas travá-las depende, antes de mais, dos próprios atores políticos. São os primeiros interessados em credibilizar o seu papel e seria de esperar uma reação muito mais exigente relativamente a quem navega em águas turvas. Antes ainda da entrada em campo da justiça e da verificação de legalidade em tantos processos duvidosos, é em termos éticos que se avaliam muitas das escolhas e procedimentos de quem nos governa. E são cada vez mais ténues os critérios éticos e as consequências retiradas dos casos que alimentam noticiários.
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Como a autorregulação não basta, existem depois sucessivos níveis de fiscalização da atividade política. É nesse contexto regulador e de exigência de maior clareza que se enquadra a criação da Entidade para a Transparência, que está há três anos incompreensivelmente sem sair do papel. A sua missão passa por fiscalizar os rendimentos, património, interesses e incompatibilidades dos políticos, mas a sua importância foi desde início desvalorizada pelo Tribunal Constitucional (TC).
Depois de sucessivos entraves, desde a interpretação das normas para a constituição da equipa até à escolha do local para instalação deste novo organismo, ontem o plenário do Tribunal Constitucional aprovou uma proposta para que, até final do ano, a Entidade da Transparência possa ser constituída e instalada num espaço provisório. Já não será necessário esperar pela recuperação do Palácio dos Grilos, em Coimbra, destinado a albergar a Entidade.
Foi preciso mais de um ano de troca acesa de correspondência entre o TC e o Parlamento, a pressão do presidente da República, que recentemente considerou ser "incompreensível" esta demora, e vários milhões de euros de dotação orçamental, para finalmente os magistrados do Constitucional admitirem que o "particular contexto" que temos vivido justifica que se evitem mais demoras.
Como lamentar o tempo perdido de nada serve, resta acreditar que a transparência vai mesmo ser uma prioridade na vida pública. Que os instrumentos para fiscalizar os políticos serão melhorados. Que veremos reforçada a confiança dos cidadãos em quem os governa. Que todos estes passos contribuirão para uma democracia mais saudável, em que o rigor e a exigência contam. Todos ganhamos com isso. E ganham, em primeiro lugar, os próprios políticos.
