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"Tenho tendência para pensar que vai ganhar o Trump, porque assim, se ele ganhar, eu tenho razão, e, se ele perder, eu fico feliz." Daniel Oliveira não antecipa resultados para as Presidenciais norte-americanas, mas admite ser "difícil" convencer-se de que Donald Trump irá vencer, porque "Trump fez uma campanha um pouco estranha".
Para o jornalista, o atual Presidente dos Estados Unidos da América falhou na mensagem a passar à população num momento de crise sanitária de grandes dimensões."A maior preocupação do povo americano, como, aliás, é a preocupação de grande parte dos países, pelo menos, dos ricos - e mesmo dos outros -, é, neste momento, a Covid, e Trump conhece sobre este assunto três discursos: ou ignora, ou nega, ou ridiculariza", sustenta.
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Daniel Oliveira não esconde que o resultado desejável para as eleições dos EUA é a derrota esmagadora do chefe de Estado eleito em 2016. Assume o jornalista, no espaço de Opinião habitual na TSF: "Como qualquer pessoa que defenda a democracia, não sou equidistante nem neutral nestas eleições."
A grande qualidade de Biden é não ser Donald Trump e ser um homem decente.
O que está em causa é sobretudo a retirada de poder a Trump. Daniel Oliveira preconiza que Joe Biden não é "uma pessoa com muito carisma, muito mobilizador, com um programa que seja distintivo", mas salienta: "A grande qualidade de Biden é não ser Donald Trump e ser um homem decente. Ele tem uma vantagem porque a sua história pessoal cria uma ligação com o sofrimento que as pessoas estão hoje a viver."
"Num momento como este, as pessoas tendem a preferir a empatia à agressividade. A agressividade, num momento de ansiedade, não é uma coisa que geralmente funcione muito bem."
Se estas eleições forem sobre a Covid, serão um referendo a Trump, e ele perderá.
A somar à falta de estratégia na comunicação no contexto da pandemia, "Trump nem sequer os bons números da economia, que entretanto foram conhecidos, tem conseguido aproveitar", lembra o cronista. Ainda assim, a Covid-19 poderá estar no centro da mobilização dos eleitores, e, dessa forma, trazer o fracasso de Donald Trump. Aliás, nesse ponto Daniel Oliveira não tem dúvidas: "Se estas eleições forem sobre a Covid, serão um referendo a Trump, e ele perderá. Trump não conseguiu nesta campanha o que conseguiu na campanha com Hillary, que foi determinar a agenda da campanha, criar uma narrativa em torno do seu adversário."
Biden tem de esmagar, tem de ganhar por uma enorme diferença eleitoral que impeça Trump de lançar o país no caos.
"A sua estratégia tem sido ou de impedir que as pessoas votem ou de impedir que os votos por correspondência sejam contados. Está a preparar-se para lançar suspeitas - já começou a lançá-las - para não reconhecer o resultado eleitoral, ou mesmo para declarar a vitória antes de esses votos por correspondência, que são uma parte muito substancial, serem sequer contados."
Só há uma hipótese "para impedir que isso aconteça", alerta o jornalista: "Biden tem de esmagar, tem de ganhar por uma enorme diferença eleitoral que impeça Trump de lançar o país no caos." Uma vitória menos expressiva significaria ter "Trump no poder até 20 de janeiro, a boicotar qualquer tipo de governação, com maioria no Supremo, com milícias armadas espalhadas pelo país e uma legião de fanáticos prontos a acreditar em tudo o que ele diga", adverte Daniel Oliveira.
Quem não percebe o perigo que significam políticos como Donald Trump deve acompanhar com muita atenção as próximas semanas.
"Temos uma pequeníssima ideia, uma espécie de couvert do banquete indigno que pode acontecer, nas intimidações que têm acontecido na campanha. Até o autocarro de Biden foi cercado, há intimidações nas mesas de voto antecipado..." Por isso, o jornalista deixa um conselho e um alerta: "Quem não percebe o perigo que significam políticos como Donald Trump deve acompanhar com muita atenção as próximas semanas. Pessoas como Trump podem destruir as democracias que achávamos mais sólidas."
Há quatro anos, aquando da nomeação de Donald Trump, Daniel Oliveira estava nos Estados Unidos, e abandonou Cleveland e Filadélfia com a sensação de que "Trump podia ganhar as eleições". Desta vez, apesar da cautela a que se reserva para evitar "desilusões", o cronista assegura que os números de mortes e infetados no país pesarão. "Continuará a haver uma grande diferença entre a América rural e a América urbana, mas há uma coisa chamada Covid. Não é só nos Estados Unidos que isso muda tudo."
Quando as pessoas morrem numa pandemia, é difícil construir uma narrativa paralela e uma verdade paralela, porque a morte está ali.
"Ninguém quer arriscar, depois de tanta gente ter falhado há quatro anos, mas eu acho que é impossível analisar estas eleições sem ter a pandemia em conta, a péssima gestão que aconteceu, e a incapacidade que Donald Trump teve em construir, durante toda esta campanha, uma narrativa que o ligasse à maioria da população, porque a maioria da população norte-americana - todos os inquéritos o dizem - está preocupada com a Covid."
É difícil escapar à realidade dos números, mas sobretudo ao sofrimento das pessoas, afiança Daniel Oliveira. "Donald Trump e políticos como Trump têm conseguido construir narrativas paralelas, conseguem criar uma realidade paralela onde a verdade é outra. Quando as pessoas morrem numa pandemia, é difícil construir uma narrativa paralela e uma verdade paralela, porque a morte está ali."
É fundamental para todas as democracias que Donald Trump perca as eleições hoje à noite.
Daniel Oliveira desconhece a "profundidade desse sentimento de desilusão" do povo norte-americano, mas reflete sobre o que se pode esperar para esta noite. "Prefiro sempre pensar que vai ganhar Trump para não apanhar com um balde de água fria. É fundamental para todas as democracias que Donald Trump perca as eleições hoje à noite."
* Texto redigido por Catarina Maldonado Vasconcelos