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Cerca de 80 a 90 mil alunos começam mais um ano letivo sem terem professor a todas as disciplinas. Um cenário desvalorizado pelo ministro da Educação, que lembra tratar-se de um problema há muito identificado. João Costa terá razão, mas a questão é precisamente se, perante um diagnóstico traçado há vários anos, o Governo tem feito o suficiente para acelerar a fixação de professores. E a resposta é claramente negativa.
Apesar do crescimento na ordem dos 30% na formação de docentes, nos últimos dois anos, o ritmo de aposentações continua a ser superior e o retrato do envelhecimento da classe permite antever uma curva de saídas acentuada nos próximos anos. Foi facilitado o acesso a profissionais que não têm formação pedagógica de base, mas as carências continuam concentradas em locais com problemas específicos, como o preço elevado da habitação. Lisboa, Faro e Setúbal respondem por cerca de 70% dos horários por preencher.
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Se do lado das lacunas nas colocações sabemos há muito com que contar, há uma alteração ou pelo menos um agravamento da perceção pública do problema. Desde logo, a crispação entre Governo e professores mantém o foco permanente sobre a falta de recursos, com o tema da recuperação integral do tempo de serviço que esteve congelado a prolongar um braço-de-ferro sem fim à vista. O ano letivo começa debaixo da ameaça de novas greves e com a preocupação dos pais relativamente à instabilidade nas escolas.
Todos conhecemos o drama dos professores de casa às costas, as histórias de quem só aos 50 e 60 anos consegue efetivar-se, o permanente debate sobre a falta de recursos. E por muito que o Governo reafirme disposição para negociar, na prática pouco tem conseguido no que diz respeito a atingir consensos - até na alegada tentativa de melhorar o sistema de colocações. A tensão inevitavelmente retira confiança na escola e alimenta uma narrativa de crise que nem os indicadores de melhoria em estudos internacionais conseguem apagar.
É urgente que sindicatos e Governo encontrem espaço para um diálogo efetivo. Sem linhas vermelhas nem exigências incontornáveis, porque a negociação pressupõe cedências de parte a parte. E é crucial que o ministro da Educação encontre, a par de sinais efetivos de valorização da carreira, medidas ajustadas às diferenças territoriais. Num país com uma carga fiscal como a nossa, é imoral que se assista a uma degradação dos serviços públicos, em funções essenciais do Estado e vitais para o futuro.
