Corpo do artigo
Durante muitos anos, fomos ouvindo a ideia de que havia turismo a mais, turistas a mais. Nunca compreendi bem essa afirmação, que sempre me pareceu equivalente a termos emprego a mais, termos empresas a mais, termos riqueza a mais (isto para não falar daquele número, que nunca ninguém diz qual é, que é o número de turistas adequado, e o que fazer, nos aeroportos e fronteiras, assim que esse número misterioso é atingido).
O turismo é uma atividade económica: maior setor exportador, 9% a 10% do PIB, 7% do emprego, gerador de cerca de um quarto do emprego criado nos últimos anos, fonte de mais de 19 mil milhões de euros de receitas. Dizer que há turismo a mais é dizer que tudo isto está a mais.
TSF\audio\2020\07\noticias\16\16_julho_2020_opiniao_adolfo_mesquita_nunes
Claro que, enquanto atividade económica que é, o turismo gera externalidades negativas. Reconhecê-las e mitigá-las faz parte das tarefas dos decisores públicos, e é positivo que várias medidas sejam debatidas e aprovadas nesse sentido, desde que, claro, delas não resultem externalidades negativas ainda piores.
E por trás destes números estão rostos. Milhares de famílias têm o seu ordenado e o seu sustento e os seus projetos de vida assentes no turismo. Não são apenas os capitalistas e os hoteleiros, como se mal houvesse nisso. Das lavandarias aos restaurantes, das agências de viagens aos guias turísticos, dos gestores de preços aos marketeers, dos criadores de apps aos agentes de animação turística, do comércio local ao nacional, da limpeza à gestão paisagística, há todo um Mundo de gente que se levanta de manhã para ir trabalhar e para poder subsistir.
Agora que o turismo está suspenso, por um fio, sem gente a entrar, sem gente a perturbar o nosso quotidiano citadino, sem gente a roubar os nossos lugares nos restaurantes e esplanadas, sem gente a acotovelar-nos na rua, podemos ver o que é isso de menos turismo: menos emprego, menos empresas, menos receitas, uma crise social. Repito: nada disto impede medidas de gestão de equilíbrios e de sustentabilidade do nosso território.
E antes que se aproveite esta pandemia para se concluir que afinal não deveríamos ter no turismo uma atividade essencial da nossa economia ("Como depender de algo que fecha quando vem uma pandemia?", perguntam), é bom perguntar: alguém diz que devemos desistir da indústria porque parte dela teve de parar ou desacelerar? Alguém diz que devemos desistir do comércio porque as lojas tiveram de fechar? Alguém diz que as fronteiras fechadas por causa da pandemia vêm demonstrar que elas estão bem é fechadas para sempre? Como é evidente, uma pandemia como esta, na sua avassaladora consequência económica, não pode servir de pretexto para esse género de conclusões. E mais, o turismo gera milhares de outros negócios noutros setores, e ainda bem. Nenhuma economia pode depender de um só setor, seja ele o turismo seja ele outro qualquer. A diversificação é essencial.
E deixem-me terminar com uma nota. Não foi o Estado ou o país que apostou no turismo. Os decisores públicos não acordaram um dia e disseram: vamos todos investir no turismo. Quem apostou no turismo, e essa aposta vem de há décadas e foi-se intensificando, foram milhares de famílias, milhares de trabalhadores e gestores e empresários, que viram nele uma oportunidade de melhorarem as suas vidas. E que hoje, com o turismo a menos, estão à beira de uma crise e de entrar numa situação de enorme vulnerabilidade.