Turquia investe na I Cimeira da Organização dos Estados Túrquicos. Porque será?
Corpo do artigo
A Turquia de Erdogan Primeiro-Ministro (2003-14), tinha como Ministro dos Negócios Estrangeiros, um Professor de História, Ahmet Davutoglu (2009-14), que um dia explicou à Jazeera a perspectiva turca sobre a sua diplomacia, em plena Primavera Árabe, quando parecia afastar-se da prioridade "integrar a União Europeia", parecendo também estar a criar um novo olhar sobre o Oriente e o Mediterrâneo. Davutoglu disse que a perspectiva turca é a mesma de "Janus", com um olhar a Ocidente e outro a Oriente, ao mesmo tempo que fazia uma águia bicéfala com as duas mãos, que não deixava dúvidas sobre o que queria dizer. Depois disse também que tudo tem o seu timing e aquele era o de acompanhar as mudanças que a Primavera Árabe estava a trazer e tentar moldar o possível de acordo com os interesses e visão turcas.
Em menos de 10 anos o Mundo não é o mesmo, mas a Turquia continua no centro e quer reforçar essa centralidade que Deus e o Diabo foram consolidando por via da Síria, da Líbia e agora da Ucrânia. A realização da Cimeira dos Estados Túrquicos, a "CPLP lá deles", que aconteceu a 11 de Novembro em Samarkand, no Uzbequistão, é uma forma da Turquia cerrar fileiras com os seus primos e apresentarem-se enquanto bloco mediador coeso, sob liderança turca. Este bloco composto por Azerbaijão, Cazaquistão, Quirguistão, Turquemenistão, Uzbequistão, Turquia e Hungria (enquanto observador), têm também potencial para se apresentarem enquanto fonte de hidrocarbonetos alternativa, perante a actual escassez.
O "Mundo Túrquico" apresenta-se assim como alternativa às investidas sauditas e israelitas para a mediação entre russos e ucranianos, tendo no seu motor gasolina turca, cujas vantagens geográficas (Bósforo e Dardanelos), já permitem confrontar os americanos com acusações de que são "fomentadores do conflito", que "o querem provocar", enquanto uma Turquia aparece cada vez mais institucional com acento tónico na cooperação, paradigma vigente mas sempre esquecido nos primeiros meses de conflito. É isso, este conflito precisava de amadurecer e parece que é isso que está a acontecer com a retirada russa. Depois do foguetório, as luminárias vão perceber que está tudo a correr de feição à Rússia, já que esta retirada apenas lhe permite confirmar o objectivo principal, ficar com a "Ucrânia útil", que é o que está a acontecer, seguida de uma fase de calmía, com a Rússia a precisar de tempo para o rearmamento e o destacamento para a frente, daqueles que ainda têm formação nos quarteis. Enquanto o tempo passa, a "Ucrânia útil" vai-se estabelecendo e a Turquia ganhando corpo e argumentos para não deixar de ser o mediador privilegiado.
A Cimeira de Samarkand estabeleceu os objectivos e o "caderno de encargos" da Organização para os próximos 5 anos. Consistem sobretudo em arrumar a casa para poderem rapidamente, atingirem uma velocidade de cruzeiro lucrativa. A saber, estratégia para a facilitação do comércio entre os membros, estabelecimento de corredores prioritários, de rotas de fretes combinadas, elaboração de um Programa de Conectividade de Transportes, assinatura de um Memorando de Entendimento entre instituições chave, como partilha de sistemas digitais de recursos humanos e muito importante, foi estabelecido um Fundo de Investimento Túrquico, que permitirá sobretudo o aprofundamento, cooperação e crescente interdependência dos sistemas financeiros destes 7 membros do "Clube Túrquico".
Noutro "detalhe túrquico" da semana, a Turquia propôs prolongar por um ano o acordo de exportação de cereais, da qual é garante e fiador. A Turquia tem projecto e investe agora no vector cooperação, conferindo-lhe uma postura cada vez mais séria e responsável.
Uma boa notícia do Afeganistão!
Chama-se "Corredor Lazuli" e pretende ligar o Afeganistão à Europa, por ferrovia já existente. A boa notícia é que dada a catástrofe económica no Afeganistão e dado o estado do restante Mundo, abre-se a perspectiva de representantes dos Taliban se encontrarem com representantes do Governo afegão, no Abu Dhabi, onde decorrem Conversações de Paz desde 2020.
Esta vontade em estabelecer a operacionalidade deste novo corredor, poderá trazer vantagens a ambos, talibans e membros do governo, acalmando também os ânimos. Importante é saber repartir o bolo, facto que sabemos que não sabem. Mas o cansaço e a oportunidade, deverão ditar a sorte deste desfecho. Para já, há a possibilidade de ambas as partes se sentarem para falar. Vamos esperar para ver. O cansaço deverá ter o seu peso neste desfecho!
A Acontecer / A Acompanhar
- 15 Novembro, "L"apéro Portugais", a partir das 18h, no Churchill"s Club de Casablanca;
- 14 a 20 de Novembro, "Olhares do Mediterrâneo - Women"s Film Festival", na Cinemateca e no Cinema São Jorge.
Raúl M. Braga Pires, Politólogo/Arabista, é autor do site www.maghreb-machrek.pt (atualmente em reparação) e escreve de acordo com a antiga ortografia.
