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Depois de vinte horas de viagem em cinco comboios diferentes (a TAP não tem de saber disto), a etapa final da viagem implica um voo entre Varsóvia e Lisboa. Quatro horas e cinco minutos de voo (já vão perceber porque é que este detalhe importa), e a espera por aquela sensação que sempre tive de que quando entrava num avião da TAP, estava em casa.
Ao contrário de todas as outras companhias que operam no aeroporto de Varsóvia, a TAP é a única que não mantém o check-in aberto em permanência. Tem um balcão próprio, sem partilha com outras companhias. Mas só o abre rigorosamente duas horas antes do voo. Não do embarque, mas do voo. O que leva a que, quando abre, já haja uma longa fila de passageiros prontos para o check-in e para despachar malas. A fila avança devagar. Quando for admitido o último passageiro, já estamos a tempo da «última chamada». Desnecessário, irritante e cansativo.
O avião chega atrasado e vai partir logo a seguir. Vejo os funcionários da limpeza a entrar e a sair cerca de 15 minuto depois, tudo enquanto o avião abastece. Quando começa o embarque, já estamos atrasados.
Adiante.
«Boa tarde», diz a tripulação, com aquele sorriso de conveniência. Mas sempre é um «boa tarde», sabe bem ouvir, parece que já estamos em Portugal. Arrumados passageiros e malas, o voo deveria ter partido às 19h15, com chegada prevista para as 22h20. Quatro horas e cinco.
Quando, depois de um bilhete que custou quase 500 euros, se espera que a TAP nos ofereça um «jantar», daqueles que, sendo comida de avião, nos transportam até casa ou, pelo menos, é confecionado - ou era - com produtos portugueses, tudo o que aparece faz lembrar as companhias low cost. Os tripulantes chegam com um carrinho. Há um menu diante de cada cadeira, como nas low cost. Os preços - sim , é a pagar - não são estupidamente caros - como nas low cost - e pode escolher-se entre algumas refeições mais «pesadas», como lasanha, ou algumas mais ligeiras. Tosta mista, sande de pastrami, focaccia, e por aí fora.
Aqui convém explicar que toda esta oferta só está disponível nos voos com mais de «quatro horas» de duração, pelo que importa, portanto, aquele detalhe das quatro horas e cinco minutos.
Seja, então, uma tosta mista, apresentada como uma sanduíche dourada, por causa da manteiga que leva por cima.
-«Só um momento, por favor»...
Espero. Porque o assistente de bordo que está na minha fila tem também de esperar que a colega, do outro lado do carrinho, faça negócio com outro passageiro. Estamos entre as filas 11 e 13. Não é a cauda do avião. É o princípio. A colega acaba de vender a única tosta mista disponível.
-«Peço desculpa, acabamos de vender a última».
Ao meu olhar de desilusão - sim, eu sei, estamos a falar de uma tosta mista, mas depois de 20 horas em cinco comboios - o tripulante pede desculpa outra vez, com o olhar. Peço, então, a tal de pastrami, que serve de imagem de capa do folheto, com o slogan: «as cores de Portugal». Porque há vermelho da carne, amarelo da mostarda e verde da alface.
-«Peço desculpa, também não há...»
Segunda desilusão, devo ter respirado fundo, pergunto afinal o que há, e se as sanduiches quentes não são para os tais voos de mais de quatro horas.
-«Lamento, mas já não há...»
Mas consegue comer-se alguma coisa?
-«Temos uma box de presunto e enchidos...»
Pois, seja, venha a box. Percebo porque é que ainda há, está embalada em vácuo, não é perecível tão cedo, são três embalagens, presunto, chouriço e salame, tudo espanhol. Afinal, a box é «ibérica» e, anuncia o folheto, ainda tem uma oferta. É um «toalhete refrescante para as mãos»...
E uma cola zero se faz favor.
-«Infelizmente também não temos... Mas dê-me só um segundo...»
O tripulante desaparece, vai à executiva, desvia uma coca-cola zero da primeira classe, aparece feliz, com o troféu. Conseguiu atender a um dos pedidos. Lamenta outra vez, «não temos mais».
Se a TAP é isto, então não lhe chamem companhia de «bandeira». Só se for uma bandeira esfrangalhada, ou hasteada de pernas para o ar, a pedir socorro. Não há, hoje, praticamente diferenças entre a TAP e as low cost. A TAP já não nos faz sentir em casa, já não nos «oferece» um mimo, uma refeição decente, uma oportunidade de escolha. Nem a pagar. Ou, principalmente, a pagar.
Tratados como gado, mal recebidos, sem oferta e com preços caros. Mas o pior de tudo é a perceção e a sensação. E, ambas, não são boas. Afinal, os aviões da TAP são iguais aos outros. E, se são iguais aos outros, se não nos fazem sentir em casa, se não nos mimam e aconchegam, se (já) não fazem a diferença, se já não nos trazem um pouco de Portugal e um - pelo menos - acolhimento digno, mais vale apostar numa low cost. O aeroporto de partida fica a 50 quilómetros do centro, temos de pagar a comida e somos tratados como gado. Mas, pelo menos, já vamos a contar com isso.
