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O cerco foi-se apertando, com pressão crescente sobre o ministro da Administração Interna. Os efeitos da morte de Ihor Homenyuk, o cidadão ucraniano que, a 10 de março, tentou entrar em Portugal, ficando dois dias detido no aeroporto, têm perdurado e até subido de tom nas últimas semanas. Ontem o deputado Duarte Marques protagonizou, em nome do PSD, uma espécie de ultimato a Eduardo Cabrita, exigindo-lhe que mudasse já a direção do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) ou abandonasse o Governo. Cristina Gatões, diretora do SEF, acabou por se demitir ao final da manhã desta quarta-feira.
Vale a pena recordar os principais momentos deste crime, que levanta fundadas dúvidas sobre a atuação do SEF e sobre uma cultura, eventualmente disseminada naquele serviço, de desrespeito pelos direitos humanos. A 30 de setembro, o Ministério Público acusou três inspetores do SEF do homicídio qualificado de Ihor Homenyuk, tendo a investigação concluído que houve "tortura evidente" da vítima. O caso tinha já conduzido à demissão do diretor e do subdiretor de Fronteiras do aeroporto, mas os pormenores revelados ao longo do tempo demonstraram que não estavam apuradas todas as responsabilidades.
Na sequência do inquérito aberto pela Inspeção-Geral da Administração Interna (IGAI), foram implicados mais nove inspetores (além dos três acusados formalmente pelo Ministério Público) que, por "ação ou omissão", terão contribuído para a morte do ucraniano. Testemunhos vindos entretanto a público deram conta da prática reiterada de agressões e outras ilegalidades no Centro de Instalação Temporária do aeroporto.
O centro foi entretanto remodelado e sujeito a um novo regulamento, em vigor desde 5 de agosto mas distribuído ao serviço apenas no passado dia 26 de novembro. As camaratas foram convertidas em quartos individuais, dotados de botões de pânico. Até este dispositivo serviu, contudo, de arma de arremesso contra o ministro que tutela o SEF. Segundo Duarte Marques, a instalação dos botões de pânico transmite a mensagem de que o próprio Governo desconfia do órgão de polícia.
Na semana passada, percebeu-se que também o PS se juntava à pressão sobre Eduardo Cabrita. O PSD e a deputada não inscrita Joacine Katar Moreira apresentaram um requerimento (entretanto aprovado) exigindo a audição do ministro e da diretora do SEF. O PS juntou-lhe mais um pedido de audição: da provedora de Justiça, Maria Lúcia Amaral. Considerando estarem em causa condutas atentatórias dos direitos humanos, a bancada socialista considerou ser necessário ativar o Mecanismo Nacional de Prevenção da Tortura, que funciona na Provedoria.
Questionada sobre que responsabilidades deveriam ser exigidas e a quem, a líder da bancada socialista, Ana Catarina Mendes, remeteu conclusões para depois das audiências, mas não foi meiga nas palavras, exigindo consequências. "Uma coisa garanto: não me calarei!", afirmou em declarações ao DN.
As primeiras consequências políticas de todas estas intervenções chegam agora, com a saída de Cristina Gatões. Uma saída forçada pelas circunstâncias, mas à qual a dirigente procurou resistir. A 16 de novembro, do SEF admitiu que a morte de Ihor Homenyuk resultou de "uma situação de tortura evidente", mas ainda assim assegurou que não tinha posto o lugar à disposição do ministro da Administração Interna. O retrato de ilegalidades e completo desprezo pelos direitos humanos revelado pelos crimes cometidos no aeroporto exigia outro sentido de responsabilidade. Como teria exigido a Eduardo Cabrita outra capacidade de intervenção, sem esperar que Cristina Gatões tivesse de ser empurrada à força para fora do cargo. Quando os problemas estruturais atingem tal gravidade, só as mudanças podem dar segurança aos cidadãos. Resta aguardar para ver que passos adicionais serão dados para reforçar as garantias de efetiva mudança.