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O que António Costa como político representa hoje para a sociedade portuguesa pode não corresponder aos desafios do país para o futuro, perante a mudança de contexto a que assistimos. Que exige respostas substancialmente diferentes das dadas em 2015 e 2019, até porque a realidade mudou abruptamente nas últimas semanas.
A leitura mais óbvia que se pode fazer da nova proposta de governo é a de que houve essencialmente três preocupações: uma nova orgânica, menos ministros e secretários de Estado, portanto uma máquina mais leve (a tarefa também não era difícil), e uma composição onde prevalece o partido sobre sociedade.
Mas mais do que o tamanho, ou os sinais internos que António Costa dá ao nomear para ministros nomes apontados à sua sucessão, por força da alteração da conjuntura a ação política do governo pode implicar reformar, ou diminuir o peso do estado na economia. O inverso do que foi feito nas últimas legislaturas, justamente num momento em que o Estado mais pode ser necessário.
No país de hoje, a dívida pública já é a terceira mais elevada da Europa, na sua relação com o PIB. E o Banco Central Europeu tem informado que deixará de ser a almofada de financiamento que foi durante os últimos seis anos.
A inflação apareceu com violência e parece estar para ficar com os portugueses a sentirem os seus efeitos no dia a dia. A guerra na Ucrânia tende a acentuar o clima de incerteza, com os custos energéticos a dispararem e a consequente subida de preços dos bens essenciais.
Soma-se o aumento da despesa do Estado, num país em que as famílias veem cada vez mais frustradas as suas expectativas e necessidades com a reposta dada em áreas vitais como a saúde e a educação. Mesmo o PRR, tido como a ferramenta salvadora da nossa economia, já tem o seu poder de fogo esmagadoramente alocado ao Estado.
Sem PCP e BE sentados à mesa do Orçamento, o paradigma das decisões de António Costa estará entre a sua capacidade de tomar as medidas que se poderão vir a revelar necessárias, e garantir, simultaneamente, a adesão da base eleitoral construída com os despojos do combate à Esquerda.
O que parece evidente depois da fuga de informação dos nomes dos novos ministros, sem que Marcelo deles tivesse tido conhecimento oficial, é que o primeiro passo para hipotecar alianças já foi dado.