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Daniel Oliveira recorda as "celebrações da parente mais idosa", da "família mais famosa do mundo", referindo-se aos festejos do Jubileu de Platina de Rainha Isabel II, em Londres.
No seu habitual espaço de opinião na TSF, o cronista falou de "mais um momento de atenção mediática sem paralelo de uma família que, graças a uma interminável novela que romantiza a sua vida, subsiste na ribalta sem nenhuma outra qualidade para lá de ter um apelido reconhecido em todo o mundo". Após esta pequena apresentação, o jornalista estabeleceu uma semelhança entre a família real inglesa e a família Kardashian, porque, na sua opinião, "o mecanismo de fidelização e manutenção da atenção mediática é bastante semelhante".
"Desprovida de poder político e sem que a Rainha tenha capacidade de decidir, felizmente, o que lê, na única intervenção anual perante os deputados, a família real é hoje uma das maiores produtoras de entretenimento", considera, mencionando episódios "desde o príncipe desavindo que foge por amor" ou ao filho proscrito pela amizade e presença regular nas festas de um banqueiro condenado por várias violações e abuso sexual".
A família real é hoje produtora de entretenimento
Para o jornalista, existe "uma luxuosa e ostensiva redoma de vidro, cada vez mais transparente" em que a família real inglesa vive, que tem "acesso quase limitado aos círculos de poder económico, político e mediático", mas "sem liberdade para decidirem o mais ínfimo pormenor da sua vida, garante uns heróis, vilões e uns rebeldes que vão renovando o interesse popular na novela da casa de Windsor."
"Durante anos, o segredo e a contenção emocional eram a imagem de marca da Rainha, essenciais para manter a aura de respeitabilidade da instituição", mas, agora, "a exposição e as novelas emocionais são essenciais para manter o espetáculo em cena e preservar a única função que sobra à casa real: entreter o povo global".
Na opinião de Daniel Oliveira, "a melhor imagem do vazio e da artificialidade da monarquia", chegou na aparição do holograma de Rainha Isabel II na carruagem "que não saía à rua há duas décadas". "Uma excelente ideia e uma oportunidade para um corte radical na despesa", considera.
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Para o cronista, "a única forma de manter a ilusão de que a tradição [da família real] ainda é o que era, e que tem qualquer utilidade, é refugiarem-se na bolha e nem verem a imensa contradição em que vivem."
Recordando o discurso do príncipe William, neto da Rainha e "que deverá ser o futuro chefe de estado", em que "elogiou novos e velhos ambientalistas por desafiarem o status quo", mas, de acordo com o jornalista, "poucas coisas nos preparam para ver a instituição mais representativa do imobilismo social, do que alguém, cujo destino político ficou traçado no dia em que nasceu, elogiar a necessidade de quebrar com o status quo".
O que separa a república da monarquia, mais que o ato eleitoral para escolher o chefe de Estado, é o seu ideal profundamente democrático
"O que separa a república da monarquia, mais que o ato eleitoral para escolher o chefe de Estado, é o seu ideal profundamente democrático", considera Daniel Oliveira, ressalvando que "existem democracias monárquicas, como há ditaduras republicanas", mas, "para quem acredita profundamente na democracia, ninguém pode representar a nação se não representar o seu povo e só pode representar o seu povo se responder perante ele".
Para o cronista, podem dizer que o monarca "representa a história da nação, o que nela é perene", contudo, "ele é a arqueologia que, sedento para sobreviver, se mantém de um tempo em que a soberania não era do povo: sobrou um holograma".
noticiários televisivos em horário nobre, em canal aberto onde se dedicam 15 minutos a mais de um folhetim sobre a família real britânica, são entretenimento, não são informação
"Manter um anacronismo monárquico é decisão soberana dos britânicos, que só têm de respeitar, mas, se não temos nada a ver com isso, o que leva as televisões portuguesas a horas infinitas de um espetáculo que não é nosso e sem qualquer relevância política e que não tem qualquer impacto na nossa vida", questiona.
"Não é difícil perceber, noticiários televisivos em horário nobre, em canal aberto onde se dedicam 15 minutos a mais de um folhetim sobre a família real britânica, são entretenimento, não são informação: são a celebração jornalística do vazio, para relatar o vazio que estava a ser celebrado", conclui.
*Texto redigido por Clara Maria Oliveira