Corpo do artigo
Um miúdo, branco, com máscara negra a cobrir o rosto surge numa fotografia disseminada no Facebook. No cartaz, que segura, lê-se o seguinte: "Um polícia bom é um polícia morto."
Supostamente (nunca sabemos se as coisas no Facebook são verdadeiras ou se são montagens manipuladoras) esta parvoíce, esta demonstração de enorme estupidez e profunda desumanidade aconteceu no Porto, durante uma das manifestações, sábado, de condenação do racismo, que o exemplo norte-americano motivou em vários países europeus depois dos protestos subsequentes ao homicídio de George Floyd, vítima da violência policial.
O que se passou, sábado, em Portugal, certamente, assustou muitos dos racistas que agora se ouvem.
Foi muito bom, foi mesmo fantástico ver tanta gente mobilizada em Portugal na condenação ao racismo e à violência policial. Foi impressionante, foi muito significativo ver tantas pessoas com pele negra e branca, juntas, mobilizadas para o protesto.
O que se passou, sábado, em Portugal, certamente, assustou muitos dos racistas que agora se ouvem - há gente para lhes fazer frente.
Mas aquilo que poderia ter sido um momento excecional de defesa dos direitos humanos em Portugal pode virar-se contra as intenções de quem lá esteve.
Foi mau a organização do SOS Racismo e do Bloco de Esquerda não terem evitado uma forma de aglomeração totalmente imprudente em tempos de COVID-19 - e o exemplo do comício do PCP em Lisboa, no dia seguinte, mostra que com planeamento competente e um mínimo de disciplina era possível manter uma multidão numa ação política sem perder o sentido de manutenção da segurança da saúde pública.
Todos os polícias e todos os militares da GNR têm razão para estarem muito zangados com quem escreveu e com quem aplaudiu aquele cartaz.
Repito, sobre isto, exatamente o que disse aqui a propósito do 1.º de maio da CGTP, onde foram tomadas evidentes precauções de distanciamento social: na discussão sobre o perigo das manifestações em Lisboa e Porto para a saúde pública, a conclusão definitiva só vai ser tirada daqui a uns quinze dias. Se nas regiões onde se realizaram os protestos ou de onde provieram os manifestantes se registar um pico anormal de casos de COVID-19 em relação ao resto do país, então o SOS Racismo e o Bloco de Esquerda têm um problema político grave nas mãos e uma séria perda de credibilidade.
Mas volto à foto do rapaz com o cartaz do "polícia bom é um polícia morto".
Os polícias portugueses não podem ser empurrados pela esquerda, graças a insultos e injustiças permanentes, para os braços da direita.
Se a foto no Facebook for verdadeira e se aquilo não foi uma ação infiltrada da extrema-direita na manifestação (hoje em dia, com a radicalização da luta política, estas coisas acontecem mesmo), todos os polícias e todos os militares da GNR têm razão para estarem muito zangados com quem escreveu e com quem aplaudiu aquele cartaz desprezível.
Os polícias portugueses não podem ser empurrados pela esquerda, graças a insultos e injustiças permanentes, para os braços da direita, para os "Movimentos Zero" de retórica autoritária e mecanismos de alimentação dos objetivos políticos do Chega.
Os polícias portugueses não podem sentir que só encontram apoio e justiça nos que querem acabar com o regime democrático e liquidar liberdades básicas da população.
A luta, necessária e justa, contra o racismo, a violência e a corrupção policial, tem de ser acompanhada, ao mesmo nível, pela firme defesa de uma polícia democrática e pela exigência de garantias de dignidade individual e profissional para cada polícia e para cada GNR.
Lembro-me de, em novembro de 2013, durante o governo de Passos Coelho, muitas das pessoas da direita que, a propósito deste incidente no sábado, aproveitam para baterem na esquerda, terem rasgado as vestes por a polícia de choque da Unidade Especial de Polícia não ter prendido ou corrido à bastonada 10 mil agentes da PSP em manifestação frente à Assembleia da República, por causa de um inócuo incidente na escadaria do Parlamento.
Devíamos andar todos, à esquerda e à direita, caladinhos que nem ratos, cheios de vergonha por tratarmos tão mal as nossas forças de segurança.
A confusão política criada na altura serviu para exigir a demissão do diretor Nacional da PSP, o que aconteceu.
Nessa mesma semana, essa mesma direita, parte dela então no poder, nada teve de substancial a dizer quanto à morte do soldado da GNR, Bruno Chainho, assassinado por um sequestrador. 787 euros era o salário mensal deste homem.
Não há diferença entre a miséria humana que leva alguém da esquerda dita libertária escrever "um polícia bom é um polícia morto" como alguém da direita com tendência neonazi gritar "um preto bom é um preto morto".
Enquanto neste país pagarmos desta forma miserável a quem, da PSP ou da GNR, aceita como missão arriscar a vida por qualquer um de nós, devíamos andar todos, à esquerda e à direita, caladinhos que nem ratos, cheios de vergonha por tratarmos tão mal as nossas forças de segurança.
E mais: é preciso perceber que não há diferença entre a miséria humana que leva alguém da esquerda dita libertária escrever "um polícia bom é um polícia morto" com alguém da direita de tendência neonazi gritar "um preto bom é um preto morto": são dois imbecis.
TSF\audio\2020\06\noticias\08\08_junho_2020_a_opiniao_pedro_tadeu