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Do alto da arrogância própria que o estado exerce sobre o cidadão, que estando na base desse mesmo estado e devendo ter o estado como cuidador, tem o estado como opressor, fiscalizador, um estado desconfiado e desleixado, que abusa do poder que lhe foi delegado pela polis, do alto dessa arrogância, o estado e a política permitem-se tudo.
A frase terá passado despercebida, a semana passada, na comissão de inquérito à gestão da TAP. Inquiridos pelas excelências - que é o tratamento devido aos senhores deputados da nação, que nos representam, porque neles depositamos o nosso voto - o inspetor-geral de Finanças, que foi o responsável pela emissão de um parecer que deu argumentos ao governo para "demitir" a presidente executiva da TAP e o seu chairman afirmou, diante da comissão, que não "ouviu" a presidente da TAP antes de elaborar o parecer, por uma questão "de língua". Argumentava este alto funcionário público, que já tinha escutado a senhora numa outra ocasião, naquele mesmo parlamento, e que ela não teria respondido de forma direta às perguntas feitas pelos deputados, porque "não entendia" as perguntas» uma vez que, como se sabe, a presidente-executiva da TAP é francesa e domina mal o português. Vai daí, e o inspetor-geral de Finanças entendeu, do alto da sua sapiência, que se dispensava a si mesmo de questionar a presidente executiva da TAP. Até poderia tê-lo feito, se considerasse que não tinha de o fazer, que uma eventual conversa ou inquirição não traria nada de novo, ou porque os dados recolhidos até ao momento eram bastantes para formular um parecer sem se dar ao trabalho de fazer o contraditório.
Mas o inspetor-geral de Finanças não teve em conta nada disto. Limitou-se a decidir que não queria falar com a presidente da TAP porque, como ela "não entende as perguntas", não obteria as respostas que, caso ela entendesse as perguntas, poderia obter.
A profunda maçada com que o inspetor-geral de Finanças, na comissão de inquérito, se referiu à presidente da TAP e à dificuldade da gestora em exprimir-se e entender português quase toca um ato de xenofobia e é de um chauvinismo que tantas vezes associamos aos franceses. A explicação dada pelo inspetor-geral de Finanças é, além do mais, de uma displicência, arrogância e desprezo que, precisamente por ser um alto funcionário público, não se pode nem aceitar, nem deixar passar em claro.
Se a presidente da TAP não fala bem português e o inspetor-geral de Finanças não fala francês - nem a isso é obrigado - não é preciso ir fazer um doutoramento em Cience Po, na Sorbonne, para saber o que há a fazer - chamar um tradutor e, desta forma, quer a presidente da TAP, quer o Inspetor Geral de Finanças poderiam entender-se, ainda que falando idiomas diferentes.
A Inspeção Geral de Finanças não é um tribunal. Mas fazer o contraditório, pedir explicações às várias partes envolvidas e recolher o máximo de informação possível faz parte de um trabalho minucioso e rigoroso e dá garantias de que, quando terminado, e depois se homologado, o parecer está blindado.
Deste modo, o parecer passa a ser mesmo isso: parece que; porque, tal como neste caso, alegando as dificuldades da língua, temos a obrigação de ficar de pé atrás em relação aos próximos pareceres. Podem estar incompletos ou sem dar atenção a uma qualquer das partes envolvidas, simplesmente porque o diretor decide não interrogar alguém porque não fala a mesma "língua", não tomou banho, usa cabelo comprido, expressa-se mal, dá respostas longas ou não tem um tom de voz adequado.
