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A demissão de Marta de Temido não é causa de coisa alguma. É o resultado do colapso do Serviço Nacional de Saúde. E de uma política sem políticas para o pilar do Estado Social do nosso país, que é uma construção emblemática da Democracia portuguesa.
Os dados estavam todos lá. Hoje, mais de três milhões de portugueses recorrem a seguros de saúde, o dobro de há 10 anos. O que quer dizer três coisas: que as pessoas estão mais exigentes em relação à prestação de cuidados, reclamando um serviço mais eficaz e mais atempado; que esta procura de alternativa é demonstrativa da falta de resposta do setor público; e é, também, um sinal de desenvolvimento e de maturidade da sociedade civil portuguesa e não de materialismo.
A conclusão é óbvia. O país mudou, mas o Estado Social permanece imutável, necessitando de reformas profundas, o que é diferente de se tornar meramente assistencialista, a cuidar apenas de quem não pode recorrer ao privado.
Os sinais do colapso não são do dia em que a ministra se demitiu. Nem do mês passado. Nem dos últimos largos anos. E é não é por falta de dinheiro, que os portugueses têm colocado, e muito, através dos impostos. É por falta de coragem política para reformar o SNS no que precisa de ser reformado, que passa em primeiro lugar pela avaliação das capacidades instaladas e adequá-las à sociedade dos dias de hoje.
A declaração do primeiro-ministro, a propósito da saída de Marta Temido, é, por tudo isto e a todos os títulos, no mínimo intrigante: "Ouve-se muito a Oposição dizer que é preciso mudar de políticas. Ora, para mudar políticas é preciso derrubar o Governo". E é uma afirmação tanto mais estranha quanto se percebe que se houve sinal forte na saída da ministra da Saúde, que enfrentou a pandemia com dedicação pública inexcedível, é o de que ela terá percebido o que António Costa não está a conseguir ver, embora pouco tivesse feito, seja pelas circunstâncias, seja pela perda de peso político. O Serviço Nacional de Saúde, como está, vai morrer.