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Para o caso de já não se lembrarem, os nossos dois últimos primeiros-ministros estão a ser investigados pela Justiça. Calma, não é mais uma crónica sobre José Sócrates, que isso já se arrasta há tanto tempo que nem entra nas contas deste rosário. Falo, isso sim, do anterior primeiro-ministro, António Costa, o socialista que tinha uma maioria absoluta no Parlamento, e que foi derrubado, fez por estes dias dois anos, por causa de um parágrafo assassino, no âmbito da chamada Operação Influencer. E falo também do atual primeiro-ministro, Luís Montenegro, o social-democrata que foi agraciado com a atenção do Ministério Público, no âmbito do chamado caso Spinumviva, um dia depois da queda do seu Governo no Parlamento, e um dia antes do Presidente da República convocar eleições legislativas antecipadas. Tudo coincidências, naturalmente, que os representantes da Justiça não se metem em políticas e em Portugal vigora, ao que se diz por aí, a separação de poderes.
Na verdade, eu também já não me lembrava, mas houve um jornalista que se pôs a fazer umas perguntas ao procurador-geral da República, recuperei a memória e fiquei mais descansado. A Justiça tarda, mas não falha. Perguntado sobre a investigação criminal que persegue António Costa há dois anos, Amadeu Guerra explicou que ainda não tinha sido possível, sequer, ouvir todos os arguidos, porque havia um recurso qualquer relativo a uns emails. Ou talvez não. Como ficámos a saber, logo a seguir, o tal recurso já estava decidido há mais de um mês, a PGR é que ainda não sabia. Problemas de comunicação, quem os não tem? Talvez com mais dois anos a coisa se resolva.
Foi também um jornalista a perguntar ao procurador sobre a investigação criminal preventiva que persegue Luís Montenegro, e já se avista luz ao fundo do túnel. Amadeu Guerra está confiante que será possível dar um despacho, não se queria comprometer com prazos, mas o jornalista insistiu e perguntou se o dito despacho poderia ser uma boa prenda de Natal. O PGR, contagiado pelo espírito da quadra, respondeu: "Sim, sim, é um bom presente de Natal, mesmo que seja antes do Natal."
Eu, se estivesse no lugar de Luís Montenegro, não ficaria sossegado. Quando estão em causa primeiros-ministros, o Ministério Público não se confunde com o Pai Natal. Não digo isto porque Montenegro possa vir a ser acusado de alguma coisa, uma vez que a investigação, como já se explicou, é preventiva. Digo-o porque se pode vir a transformar numa investigação mais parecida com as dos seus predecessores no cargo. E em vez de uma prenda no sapatinho, pode vir a ter, isso sim, mais uma pedra no sapato. Daquelas que ficam a incomodar por vários anos.
