"A Opinião" de Nádia Piazza, na Manhã TSF.
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Foi ontem aprovado, em Conselho de Ministros, o dia 7 de março como o Dia de Luto Nacional pelas Vítimas de Violência Doméstica e pela Violência Contra as Mulheres, pela mão da ministra Mariana Vieira da Silva.
Para ela, "esse dia é um dia em que nós devemos, não apenas homenagear as vítimas, não apenas solidarizarmo-nos com as famílias, mas também todos, coletivamente, renovarmos o nosso propósito de continuar este combate e de todos, coletivamente, podermos responder" que não se deve desvalorizar a "dimensão simbólica" de consciencializar a sociedade portuguesa para este tema.
Tirava-lhe o chapéu, se o usasse. Percebo-lhe a vontade de começar bem, num tema de amplo consenso nacional, mas, ainda assim, sabe a pouco.
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Sensibilizar a sociedade para um problema, manter a memória acesa e, sobretudo, manter a pressão juntos das instituições a quem competem trabalhar para a prevenção e punição no sentido de mitigar tais situações, sejam elas catástrofes ou crimes, é sempre de louvar.
Mas atenção, assinalar o dia 7 de março como Dia de Luto Nacional pelas Vítimas de Violência Doméstica e pela Violência Contra as Mulheres é, sem dúvida, um símbolo, mas acreditem, Senhores Políticos, de que é mais do que um símbolo para a sociedade, é antes um alerta para as instituições a quem compete prevenir, sinalizar, proteger as vítimas diretas e indiretas (!!), porque, para estas, o símbolo está bem gravado.
Gravado em nódoas, olhos inchados e macerados, lábios rompidos, costelas partidas, pulsos abertos, ataques de pânico e ansiedade, traumas, ameaças e, por fim, mortes.
As penas, os critérios para a suspensão das penas para os crimes de violência sexual e doméstica refletem o grau de reprovação da sociedade? Não!
O que a sociedade retira das decisões e arquivamentos vários é que vale a pena dar uns sopapos à "minha Maria".
Vale a pena, percebem?! A pena não reprova o ato, não coíbe a ação, não salvaguarda a integridade física e moral da vítima. O que a sociedade depreende é que o ato criminoso é de difícil prova, de exposição vergonhosa e nem toda gente tem dinheiro para mandar instalar câmaras de vigilância à porta de casa como a Bárbara Guimarães.
Assim, vamos de fado em fado. De bandeiras a meia-haste. De um país pintado de preto-luto.
Uma curiosidade sobre o dia escolhido, 7 de março. O dia 7 de março é, para os cristãos, o dia de Santa Perpétua e Santa Felicidade, duas cristãs que foram canonizadas em 203, depois de terem sido severamente perseguidas e, por fim, martirizadas pelas suas crenças e ações. Perpétua, de famílias nobres, 22 anos de idade e um filho recém-nascido. Felicidade, escrava, grávida de oito meses.
7 de março de 2019, Portugal, Dia de Luto Nacional pelas Vítimas de Violência Doméstica e pela Violência Contra as Mulheres.
7 de março, Dia de Santa Perpétua e Santa Felicidade. Perpétua, nobre, podia almejar viver mais primaveras do que as que viveu, e Felicidade, escrava, que de feliz só podia almejar a graça.
Há coincidências e ironias na vida que nem de propósito.
A Mulher, "a responsável" pela Perpétua Felicidade familiar, obrigada a engolir as suas ambições, crenças, desgostos, sonhos e lutas. A Mulher, numa sociedade ainda vincadamente machista e retrógrada. A Mulher, sujeita ao achincalhamento em praça pública, às reprimendas no seio familiar, ao descaso das instituições - e livre-se de lhe calhar na rifa um Neto de Moura pela frente.
Que venha o dia nacional do luto, afinal ele já é todo dia.