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O Novo Banco recebeu, em maio, 850 milhões de euros emprestados pelo Estado ao Fundo de Resolução. Ouvi muita gente indignada com esse facto.
Pois o presidente do Novo Banco, António Ramalho, já avisou: no final do ano o Novo Banco vai querer receber mais dinheiro...
Fazer opinião aqui na TSF é muito fácil. O meu trabalho é bastante simplificado graças a pessoas como António Ramalho.
Para fazer opinião aqui na TSF não é preciso inventar muito, basta ter, de vez em quando, duas ou três ideias, expô-las aos ouvintes da rádio e aos leitores do site, guardá-las no disco rígido do computador onde se escreve e... esperar.
Umas semanas depois, os senhores da banca, do governo ou da União Europeia, inevitavelmente, voltam a repetir as suas graças e permitem-me repisar a mesma crítica e clamar o mesmo protesto chocado - faço-o eu e muitos outros, é um copy-paste incessante do mundo financeiro, da política e da opinião publicada.
No dia 11 de maio passado, quando se confirmou que o Novo Banco recebera os tais 850 milhões de euros, antes de uma auditoria à gestão prometida pelo primeiro-ministro António Costa, opinei nesta TSF o seguinte:
"O pagamento feito agora ao Novo Banco acontece em plena crise do novo coronavírus, com falências e miséria a liquidar empresas e a ameaçar trabalhadores.
Se os pagamentos anteriores ao Novo Banco eram polémicos, o da semana passada não pode deixar de ser visto por uma grande fatia de portugueses, aflitos com a crise que está aí, como, simplesmente, imoral."
Cinco semanas depois posso repetir, rigorosamente, a mesma frase, acabada exatamente com a mesma palavra indignada: "imoral"!
Imagino, por isso, uma irritação análoga estar a alastrar-se entre muitos portugueses com a entrevista deste fim de semana dada à Antena 1 por António Ramalho.
Diz o presidente do Novo Banco que espera ter o balanço do banco limpo no final deste ano.
Com a ajuda de maio dos 850 milhões do Estado e mais uns 180 milhões que os outros bancos deram através do Fundo de Resolução, a missão de apresentar um balanço limpo, de facto, não parece impossível.
Isto não coíbe António Ramalho de tentar já garantir para as contas do ano que vem os 912 milhões de euros do Fundo de Resolução ainda admitidos no contrato que, em 2017, entregou 75% do Novo Banco aos americanos da Lone Star e 25% ao próprio Fundo de Resolução.
Queixa-se o presidente do Novo Banco, como todo o país, da quebra de receita que teve por causa da paragem da economia, na sequência da pandemia de Covid-19.
Isso não explica, por exemplo, porque é que desde 2017 não foi vendido, com o mercado em alta, uma parte do imenso imobiliário herdado dos ativos do antigo BES - não seria uma medida razoável de gestão garantir receitas para o banco com os seus próprios bens, em vez de estar sempre a exigir milhões emprestados aos contribuintes e ao Fundo de Resolução?... Isso implicaria alguma desvalorização do banco? E então!? É preferível desvalorizar o resto do país!?...
Notifica-nos o presidente do Novo Banco da atrapalhação sentida na instituição pelas medidas de apoio à economia e às pessoas, impostas pelo governo aos bancos por causa da Covid-19.
Segundo explicou, o Novo Banco concedeu 6 mil milhões de euros em moratórias a créditos e isso é uma das razões para precisar de mais empréstimos do Estado para 2021 - como se o dinheiro das moratórias estivesse perdido quando, na realidade, vai ser pago pelos clientes do banco, só que num prazo diferente do previsto.
Garante o presidente do Novo Banco que, apesar de ter perdido capacidade de autofinanciamento com a crise, espera chegar aos lucros em 2021. Presumo ser essa outra das razões para, no final deste ano, António Ramalho precisar de mais uma contribuição emprestada pelos contribuintes do Estado.
Pois este gestor, que já recebeu, desde 2017, seis ou sete mil milhões de euros emprestados pelos contribuintes de um total de 11 mil milhões euros de ajudas, disse na mesma entrevista achar muito mal a possibilidade de vir a pagar ao Estado uns pobres 4 ou 5 milhões de euros como contribuição de solidariedade por causa da Covid-19.
Ou seja: para o Novo Banco, ser financiado pelos contribuintes é bom, mas pagar alguma coisa de volta aos mesmos contribuintes é péssimo.
Já agora, lembro que a equipa que governa o Novo Banco conta receber, em 2022, um prémio de dois milhões de euros pela gestão que fez em 2019 - e imagino que quererá receber outro tanto por cada ano que passar até lá.
Vamos, nestas circunstâncias, pagar ainda mais ao Novo Banco? Como já disse, a história repete-se e o mais certo é que haja muita gente a refilar até lá, mas, no final, o dinheiro é mesmo entregue à gestão de António Ramalho...
Ninguém deseja a falência do Novo Banco, mas, caramba, não se pode eliminar deste processo de salvação de um banco importante o abuso, a falácia e a completa indiferença pela realidade do resto do país? Somos assim tão impotentes?!...