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"Todo o país se lembra de estar todo unido e de repetir muitas vezes que ia ficar tudo bem, de ir para as varandas aplaudir o pessoal da saúde, infetado ou não, que estava a trabalhar. Pois isso mudou quando são os pobres da periferia de Lisboa - a trabalhar - os infetados nessa situação. Não são tratados como vítimas, são tratados como perigo."
É assim que o jornalista Daniel Oliveira inicia uma crítica à incongruência na forma como se tratam os infetados com Covid-19, uma desigualdade que constata no território nacional, mas também entre Estados. O cronista realçou, no seu espaço de Opinião habitual na TSF, que Portugal e Reino Unido estão "praticamente iguais" quanto à contenção da pandemia, pelo que não se justificam certas narrativas."Ouvi alguns responsáveis do turismo algarvio a culparem os infetados de Lisboa por os impedirem de receber os infetados ingleses. Se a questão é de saúde pública, eu devo recordar alguns números: o Reino Unido está muitíssimo longe de estar bem, com perto de 4200 casos por um milhão de habitantes; é o décimo quinto pior da Europa."
Os infetados vindos de Quarteira são mais perigosos do que os infetados das ruas de Londres.
Daniel Oliveira lembra que "Portugal tem próximo de 4300 casos por milhão de habitantes e é o décimo quarto pior da Europa", e que, quanto ao número de óbitos, o Reino Unido tem 650 mortos por milhão de habitantes (é o quarto pior país da Europa), e Portugal tem 160 óbitos por milhão de pessoas (é o décimo sexto). Estas métricas levam o jornalista a desconfiar dos boletins epidemiológicos apresentados. "A disparidade dos números ingleses entre mortos e infetados diz-nos que acontece uma de duas coisas: ou no Reino Unido o vírus tem uma letalidade muitíssimo grande ou o Reino Unido é capaz de estar a manipular um pouco os números", comenta o jornalista.
O que concluo é que o vírus se aguenta bem quando vem com boas gorjetas.
Para Daniel Oliveira, a forma como o Reino Unido trata os infetados "vindos de Quarteira" contrasta com a "reabertura caótica dos pubs" ocorrida para relançar a economia britânica. "Os infetados vindos de Quarteira são mais perigosos do que os infetados das ruas de Londres", questiona.
O cronista lamenta que mesmo dentro do país prevaleça esta narrativa -"nós próprios, em Portugal, na realidade, preferimos os infetados ingleses ricos aos infetados portugueses pobres" - e destaca a contradição entre as duas formas de pensar: "é ótimo virem muitos turistas" versus "é um enorme risco virem refugiados".
Já toda a gente percebeu que os números de infetados são uma guerra pelas migalhas da economia que sobram.
"O que concluo é que o vírus se aguenta bem quando vem com boas gorjetas", atira o jornalista, que desafia os leitores e ouvintes a refletir: "Olhamos para os números de infetados da Grécia - onde há enormes campos de refugiados, sobrelotados -, olhamos para os números de Espanha, que têm variações estranhas, difíceis de explicar, e compreendemos que, desde que se percebeu que os números são uma arma para virem ou não virem turistas - são uma arma política, são uma arma económica -, evidentemente isso é um convite a alguma manipulação..."
Na perspetiva de Daniel Oliveira, este é "um assunto para os diplomatas", já que "já toda a gente percebeu que os números de infetados são uma guerra pelas migalhas da economia que sobram".
"Não é assim que se faz a diplomacia", remata.
TSF\audio\2020\07\noticias\07\07_julho_2020_a_opiniao_de_daniel_oliveira
* Texto redigido por Catarina Maldonado Vasconcelos