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1 - OS RUSSOS VÃO MESMO VOLTAR A TENTAR ATACAR KIEV?
Informação ucraniana, britânica e norte-americana aponta para novo ataque russo por terra à capital ucraniana por fevereiro ou março, mas a Rússia estará longe de ter condições de o fazer tendo a segurança de uma vitória que até agora foi incapaz de obter. Putin terá menosprezado os efeitos disto não ser comparável ao que já fez na Chechénia ou na Síria; desta vez, as reações do mundo ocorrem ao minuto. O agressor tem táticas e procedimentos do século XX; o agredido tem do seu lado milhões de cidadãos que pressionam os seus líderes a ajudar a Ucrânia, graças a meios tecnológicos do século XXI.
2 - VAI A UCRÂNIA CONSEGUIR NEUTRALIZAR NA ORIGEM O PODER DE FOGO RUSSO COM OS SEUS NOVOS DRONES?
Será sempre um esforço assimétrico, mas os ataques a bases militares e aeródromos em solo russo (Engels, Dagilov, Belgorod, Kursk) mostram uma surpreendente capacidade ucraniana em atingir a Rússia em profundidade - fazendo estragos significativos em zonas da Rússia a mais de 500 quilómetros da fronteira leste ucraniana (Engels, Dagilov) ou pelo menos 50 (Belgorod, Kursk). Tudo indica que essas operações são executadas por drones de fabrico (ou, pelo menos, conceção e adaptação) ucraniano, o que revela um dado novo nesta fase da guerra: prova que a Ucrânia não precisa sempre de material ocidental para poder atingir o inimigo russo.
3 - PODE A CRIMEIA TORNAR-SE UM OBJETIVO REAL PARA KIEV?
Zelensky, aparentemente, acredita que sim. Os ataques pontuais de forças de Kiev à frota russa do Mar Negro, em Sebastopol, sinalizaram essa tendência. Será fundamental perceber o destino de Melitopol (Zaporíjia) e Kherson: quem controlar estes dois pontos terá o domínio dos vértices superiores de um triângulo estratégico a sul que tem, precisamente, a península da Crimeia como vértice inferior. E temos que olhar também para Mariupol: fecha Donetsk (e, portanto, o Donbass) a sul, faz a ligação do Mar de Azov ao corredor sul. Por isso a Rússia lhe de tanta importância nos primeiros meses de guerra, por isso a Ucrânia estará a voltar a estudá-la ao pormenor - por enquanto apenas ao nível dos serviços de informação.
4 - VAI MOSCOVO CONSEGUIR PROCEDER A MAIS UMA MOBILIZAÇÃO PARCIAL?
A Rússia tem-se caracterizado pela ineficácia: precisou de quase três meses para tomar Mariupol - e só o fez pela destruição geral. Falhou rotundamente Kiev, e deixou escapar a segunda maior cidade, Kharkiv, logo nos primeiros dias. Meses depois, foi humilhada na contraofensiva ucraniana para retomar o controlo desse oblast e viu as suas tropas retirarem misteriosamente de Kherson. Putin terá dificuldades internas se precisar de impor mais uma mobilização parcial - à medida que o tempo vai passando, mesmo a fechada sociedade russa tem acesso a alguns dos absurdos que os soldados russos passam no terreno ucraniano.
5 - O QUE SE PASSARÁ EM DONETSK? VÃO OS RUSSOS CONQUISTAR BAKHMUT E, DEPOIS, KRAMATORSK E SLOVIANSK?
Os russos queriam tomar Bakhmut até ao final do ano - o que certamente já não vai acontecer. A presença de Zelensky na frente de batalha, na véspera da viagem a Washington, marcou o tom de confiança dos ucranianos e as queixas dos mercenários do Grupo Wagner sobre a falta de condições na frente de batalha dão conta das dificuldades dos russos. Mas os dados podem mudar com o reforço russo previsto para os primeiros meses do ano. E é o próprio Zelensky a admitir que a tarefa da Ucrânia na defesa do Donbass "continua a ser muito difícil".
6 - PODE A UCRÂNIA RETOMAR POSIÇÕES RELEVANTES NO OBLAST DE LUGANSK?
A reconquista de Kharkiv, pelo final do verão, sobretudo as posições ganhas em Izium, Balakliia e Kupiansk, abriram essa perspetiva a Kiev. Mas os meses foram passando e a situação no nordeste/leste ucraniano foi-se adensando em mistério: quem verdadeiramente está a ganhar o Donbass? As tropas ucranianas vão recuperando, pontualmente, aldeias e pequenas vilas em Lugansk, na linha em direção a Svatova/Kreminna. E os recentes bombardeamentos russos a Kupiansk mostram receios de Moscovo sobre futuras movimentações ucranianas nessa frente.
7 - VÃO OS EUA CONTINAR A APOIAR A UCRÂNIA DE FORMA QUASE ILIMITADA?
Tudo indica que o apoio norte-americano se manterá - mesmo com os republicanos a tomarem o controlo da Câmara dos Representantes, já em janeiro. O Presidente Biden continua a ter vários instrumentos para prosseguir com esse apoio robusto e não há sinais claros por parte do eleitorado americano sobre qualquer tipo de exigência para que esse apoio pare ou, sequer, diminua. A viagem de Zelensky a Washington foi, nesse plano, bem-sucedida: os EUA vão dar os "Patriot" e o novo pacote de 40 a 45 mil milhões de dólares será enviado à Ucrânia em "tranches" ao longo do primeiro semestre de 2023. A hora da verdade será em novembro de 2024, quando das eleições presidenciais.
8 - VAI O ACORDO DOS CEREAIS SER RENOVADO?
Dependerá dos humores de Putin, mas tornar-se-á cada vez mais difícil para o presidente russo colocar Moscovo como o responsável por nova crise de segurança alimentar a nível global.
9 - QUE INTERVENÇÃO TERÁ A BIELORRÚSSIA?
A visita de Putin (acompanhado de Lavrov e Shoigu) a Minsk, a 19 de dezembro, sinalizou a Bielorrússia como elemento importante para os próximos meses de guerra. Não é novidade que Lukashenko é uma espécie de vassalo de Putin. E também não é novidade que Putin desejaria fazer da Ucrânia uma "Bielorrússia em ponto grande". O principal objetivo de Moscovo em tornar Minsk beligerante direto terá a ver com os problemas que isso vai gerar a Kiev: será bem mais difícil combater duas frentes ao mesmo tempo. Mas daí até ver a entrada da Bielorrússia como ás de trunfo para os russos nesta guerra vai uma grande distância. Os "Iskander" táticos russos recebidos por Minsk geram apreensão - mas não criaram surpresa.
10 - VAI A COESÃO EUROPEIA MANTER-SE DEPOIS DO TESTE DO INVERNO?
A União Europeia já vai no nono pacote de sanções. Tem havido travões e problemas, mas a verdade é que a coesão europeia tem deixado muito boa gente de boca aberta. As notícias sobre a morte do projeto europeu são sempre francamente exageradas. Ursula von der Leyen é uma das figuras políticas que se destacaram desde 24 de fevereiro: lidou com a exceção húngara, soube geri-la e soube neutralizá-la nos momentos-chave. Acelerou planos de redução da dependência energética da Rússia.
11 - SERÁ ENCONTRADA UMA FORMA DE FORÇAR A RÚSSIA A PAGAR PELO QUE ESTÁ A DESTRUIR NA UCRÂNIA?
Europeus e norte-americanos já estão a trabalhar nesse sentido. Não será fácil e vai exigir soluções criativas (e, provavelmente, contestáveis no plano do Direito Internacional). Por enquanto, a via mais óbvia passa pelo congelamento de ativos do banco central de Moscovo e pelo acesso a bens e contas de oligarcas russos em praças europeias. Mas não chega.
12 - PODE O IMPASSE NA CAPACIDADE MILITAR DOS DOIS LADOS OBRIGÁ-LOS A COMEÇAR NEGOCIAÇÕES DE PAZ? E COM QUEM (EUA? TURQUIA? ONU?) ?
Estamos muito longe disso. Zelensky adianta, para já, que a Ucrânia vê os próximos seis meses como "decisivos" para os destinos da guerra. Putin não dá qualquer sinal de pretender retirar tropas russas das zonas ocupadas da Ucrânia. Ambos têm motivos para continuar a lutar, não para parar - muito menos dão mostras de estar dispostos a abdicar seja do que for a troco de uma promessa de paz vinda de quem não confiam. Quem será o mediador na hora de negociar (talvez ainda não em 2023)? Biden? Erdogan? Guterres? Uma coisa parece certa: Macron já não será - tamanha foi a sua preocupação de "tentar perceber o lado russo", perdeu condições de ser aceite por Zelensky quando esse momento chegar.
13 - VAI A UCRÂNIA CONSEGUIR A CIMEIRA DA PAZ PROPOSTA PARA O FIM DE FEVEREIRO?
Pode até haver uma grande conferência internacional sobre a Paz - mas sem a Rússia. Moscovo não cederá na posição de considerar as quatro regiões anexadas ilegalmente (Donetsk, Lugansk, Zaporíjia, Kherson) território russo, por muito que nem sequer as controle na totalidade. A Ucrânia não cederá no direito de proteger a integridade e soberania de todos o seu território. Kiev pretende uma conferência de Paz para legitimar internacionalmente os pontos que exige para negociar o pós-guerra. E isso, no atual quadro, impede um processo em que Ucrânia e Rússia se sentem à mesma mesa. Kiev pode marcar mais pontos entre aliados na NATO e na UE, mas tem um longo caminho a fazer para somar simpatias no "Sul Global". Mesmo que desejam "a paz", inúmeros países de África, Ásia, Médio Oriente e até América do Sul mantêm-se demasiado dependentes da Rússia nos planos económico e militar. As viagens de Kuleba a África e ao Médio Oriente não surtiram, por enquanto, os efeitos desejados.
14 - A INFLAÇÃO VAI DESCER DE FORMA IRREVERSÍVEL?
Há uma boa probabilidade de isso acontecer. Mas será um processo demorado. Valores inflacionistas na casa dos 1% ou 2% só voltarão a surgir na UE e nos EUA lá para 2027 ou 2028, na melhor das hipóteses. Até lá, um 2023 a correr bem significará ter uma inflação a baixar para pouco mais de metade do pico ocorrido há semanas - e se fixe nos 5,5 ou 6%.
15 - VAI RISHI SUNAK ESTANCAR A CRISE INTERNA NO PARTIDO CONSERVADOR E A INSATISFAÇÃO NO REINO UNIDO?
A política britânica deixou de ser previsível. Depois das bizarrias de Boris Johnson e dos erros básicos de Liz Truss, os primeiros meses de Sunak têm servido para estancar feridas, mas os problemas estão lá: popularidade dos conservadores em mínimos históricos, Brexit com arestas por limar, economia longe de estar consertada. Após várias greves no setor da Saúde nas últimas semanas e meses, Sajid Javid, ministro da Saúde de Boris Johnson, deixou dúvida preocupante: "O NHS pode não sobreviver muitos mais anos".
16 - VÃO A CHINA E A ÍNDIA MANTER APOIO IMPLÍCITO À RÚSSIA?
No plano comercial, económico, tecnológico e até político, tudo indica que sim. A grande questão é se haverá alguma alteração no posicionamento de Pequim e Nova Deli quanto a um possível apoio militar a Moscovo - e isso continua a ser francamente improvável. A China é uma parceira "sem limites" da Rússia e continuará a ser. Nestes 10 meses, e após nove pacotes de sanções da UE a Moscovo, a China aumento em 40% as trocas comerciais com a Rússia - de 140 mil milhões de dólares para 200 mil milhões. A Índia teve salto ainda maior: viu crescer a sua relação comercial com a Rússia em 120% (de 9 mil milhões pré-guerra para 30 mil milhões até 2025). Fica, deste modo, mais fácil de compreender porque é que Xi Jinping e Modi não encostam Putin à parede, no que toca à vontade de travar a guerra. No caso da Índia, a Rússia é o seu maior aliado. Moscovo é fiel da balança na rivalidade entre Pequim e Nova Deli. E há, nas últimas décadas, um alinhamento destes três "players" na crítica ao domínio norte-americano em várias áreas. É certo que os EUA têm vindo a aproximar-se da Índia, para evitar o excesso de poder chinês no Indo-Pacífico (veja-se o QUAD). Mas no global ainda há muito maiores pontos de contacto entre Índia e Rússia do que entre Índia e EUA. E a Guerra da Ucrânia, pelo menos até agora, reforçou esta tendência, em vez de a inverter.
17 - A TENSÃO EUA VS CHINA VAI CONHECER NOVOS PATAMARES?
É bem provável. A Administração Biden identificou, no seu Conceito Estratégico de Segurança Nacional, a China como grande desafio a encarar e neutralizar. Biden e Xi já se encontraram, à margem do G20, para encontrarem linhas vermelhas que permitam que a competição Washington vs Pequim se mantenha num plano de alguma racionalidade. Mas há zonas de risco: a tecnologia, o comércio e, claro, o equipamento militar.
18 - PODE A CHINA INVADIR TAIWAN?
Não é provável que tal aconteça já em 2023, mas é mais possível que possa ocorrer algures até 2027. A Administração Biden tem subido o tom de aviso a Pequim sobre o que poderá acontecer em caso de invasão da ilha. Pelo meio da tensão político-militar, há um dado económico que também se revela estratégico: Taiwan é o maior produtor de semicondutores do mundo, com 67% do total global (só a TSMC a ter perto de 50%, com o domínio dos microchips tecnologicamente mais avançados). Nem EUA nem China estarão dispostos a abdicar desta posição estratégica.
19 - VAI A CHINA DE XI JINPING CONSEGUIR CONTER OS PROTESTOS INTERNOS?
Provavelmente, sim. Xi Jinping saiu do Congresso de outubro com poderes reforçados. Prolongar no tempo e no espaço manifestações expressivas na China é muito difícil. Mas tudo poderá depender das respostas que o regime de Xi consiga dar relativamente à evolução da política Covid zero.
20 - VAI JOE BIDEN ANUNCIAR A RECANDIDATURA À PRESIDÊNCIA DOS EUA (APESAR DOS 82 ANOS EM 2024)?
Depois do surpreendente bom resultado nas intercalares de novembro (o melhor do Partido Democrata em mais de meio século numa situação de estar no poder), é provável que avance. Mas a idade provecta levanta várias inquietações. Não é de excluir que Biden abdique de segundo mandato. Espera-se que a definição surja até abril de 2023.
21 - E SE O PRESIDENTE NÃO AVANÇAR, QUEM PODE SER ALTERNATIVA DO LADO DEMOCRATA?
Não há para já uma resposta clara. Kamala Harris precisa de ter mais aprovação. Pete Buttigieg precisava que houvesse menos preconceito em vários segmentos do eleitorado (inclusivamente democrata). Gavin Newsom e Gretchen Whitmer precisavam de ter projeção nacional e não só na Califórnia e no Michigan, respetivamente.
22 - RON DE SANTIS PODE MESMO TIRAR A NOMEAÇÃO PRESIDENCIAL REPUBLICANA A DONALD TRUMP?
Pode. O governador da Florida é a estrela em ascensão do Partido Republicano. A reeleição obtida com quase 20 pontos de avanço num estado tradicionalmente competitivo lançou-o como favorito. Trump apressou-se a confirmar candidatura e insinuou que se De Santis avançar vai revelar matéria comprometedora para Ron. Mas estes golpes baixos de Trump não terão adesão total entre os republicanos. Depois de tantas derrotas nacionais, algo estará a mudar na tolerância do GOP perante o "trumpismo".
23 - VÃO OS REPUBLICANOS DEIXAR, FINALMENTE, CAIR A "BIG LIE"?
Não é certo. Kari Lake, candidata "trumpista" ao governo do Arizona, já avançou para os tribunais para contestar derrota inapelável para a democrata Katie Hobbs, nas urnas. O precedente foi aberto por Trump e a partir de agora serve como instrumento de desculpabilização para quem perdeu nas urnas: para os populistas, as eleições só valem se forem eles a ganhar.
*Autor de cinco livros sobre presidências americanas