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Trata-se da grande incógnita actual para africanos e africanistas e, certamente também, para os próprios elementos do grupo. Muito se tem falado dos Wagner, mas pouco se sabe da sua estrutura hierárquica, da sua organização pelos países africanos onde marcam presença por estes dias (Mali, Burquina Faso, Líbia, República Centro Africana e República do Sudão).
Evgueny Prigozhin tinha tal aura à sua volta, que a sua morte poderá vir a provar que os Wagner na realidade, não passam do chamado "Grupo de Líder", cuja eliminação do mesmo dita o fim da organização. É possível que assim seja, já que do ponto de vista militar, têm cumprido o seu papel de guarda pretoriana das juntas militares do Mali, do Burquina Faso e da República Centro Africana. Mas essa é a parte operacional, a parte do negócio é que é capaz de fazer crescer a gula nos paramilitares e deitar tudo a perder.
Para nos concentrarmos apenas num exemplo deste "universo Wagner" e num desses países, o Mali. A BBC acedeu recentemente ao quartel em Kidal (norte profundo no Mali), onde a MINUSMA "fazia o espólio", como se diz na tropa. Como não conseguiram entrevistar estes militares da ONU, porque estavam de saída e desautorizados a falarem, a equipa de reportagem decidiu ir "fazer sons e imagens" ao "exótico do pó e das moscas, do vento e do possível", que o Adrar dos Ifoghas oferece (Cordilheira dos Ifoghas, a tribo tuaregue predominante em Kidal). Fora da cidade, acabaram por fazer reportagem numa pequena oficina de ouro, daquelas ao estilo ferreiro que vemos nos "filmes medievais". Tudo artesanal, processará em média, uma "colher de sopa" de ouro por dia. Impressionados com a pequenez da operação, foram esclarecidos no longo prazo por Bilal Ag Sharif, o chefe tribal Ifoghas de Kidal.
"Não se impressionem com esta pequenez, que há centenas de pequenas oficinas como esta espalhadas pelo país. O Mali produz mais de 60 toneladas de ouro por ano, sendo dos 5 maiores exportadores africanos deste metal. Com a saída da ONU, se os russos nos vierem ocupar o negócio, vai haver um massacre!"
Esta, em tempo de guerra na Europa, é a mais valia dos Wagner em África para o Kremlin, já que este cenário se replica no Sudão, na República Centro Africana, não apenas no ouro, mas também nos diamantes e todas as pedras preciosas e semipreciosas "que mexem pelo Continente"!
Outra realidade recente, que certamente fará crescer a importância desta presença russa na região (referindo-me neste particular ao norte do Mali e ao vizinho Burquina), também sinalizado por Ag Sharif à BBC, voltando à importância da presença da ONU na região.
"As Nações Unidas ocupavam 12 quartéis no Mali, o que proporcionava cerca de 10 mil empregos directos. Tradutores, motoristas, distribuidores de refeições quentes, cozinheiros/as, iluminação das ruas e algum apoio enfermagem/médico básico. Estes desempregados farão agora parte dos recrutáveis pela Al-Qaeda do Magrebe Islâmico, Estado Islâmico e milícias afiliadas. Ah, pormenor interessante, às escolas primárias já começaram a regressar os professores de vara na mão a ensinarem a memorização do Corão aos miúdos/as!".
Ora este é o cenário, matérias-primas de lucro imediato e jihadismo. Será este binómio a baliza dos Wagner em África, que definirá o futuro do grupo no Continente. Com os cofres a ficarem vazios (é o que se supõe), o Kremlin não deverá negligenciar o estratégico acesso já conseguido pela empresa de Prigozhin às minas e à mesa de refeições de quem tem poder para decidir sobre a concessão/extracção das mesmas. Nesse sentido, Putin já deverá ter enviado uns "quantos generais e coronéis" para estas unidades mais próximas do lucro, antes que um Wagner qualquer se arme em mercenário e açambarque o ouro todo!
Sobre este assunto, a partir daqui só será possível especular sobre o futuro, já que pouco se sabe desta organização, da sua estrutura e hierarquia. Prigozhin era de facto o eucalipto que secou tudo à sua volta de tal forma, que provavelmente ditou uma linha directa da base ao topo, criando um fosso no meio sem sargentos nem oficiais, que assegurem a continuidade da unidade nos moldes tradicionais. Até uma célula jihadista tem bem definido quem substitui quem em caso de morte. Prigozhin não tinha planos para morrer e talvez por isso visse uma perpetuidade do seu projecto, na sua África!
A Acontecer / A Acompanhar
- 04 de Setembro, Casa da Imprensa (Horta Seca 20, Lisboa), 19h, lançamento do livro "Do not Forget Auschwitz", do Fotógrafo José Lorvão.
José Lorvão nasceu a 29 de Março de 1969, na localidade de Cela, Alcobaça. Estudou Fotografia e Fotojornalismo no Instituto
Português da Juventude e na Associação Portuguesa de Arte Fotográfica. Fotógrafo, fotojornalista e editor de Fotografia. Iniciou a sua carreira no Semanário Tempo em 1987, ingressando em 1990 no Jornal Record, onde trabalhou primeiro como fotojornalista e posteriormente como Editor-Executivo de Fotografia até 2011. Ao serviço desse jornal, esteve presente em Jogos Olímpicos, fases finais de Campeonatos do Mundo e da Europa de Futebol, entre outros eventos desportivos de dimensão mundial. Vencedor do Prémio CNID, expôs a convite da Federação Portuguesa de Andebol no Campeonato da Europa da modalidade em 1994. Tem participado ao longo dos últimos anos em exposições conjuntas e individuais e em projectos de livros sobre Arte Fotográfica. Tem diversificado o seu trabalho tanto ao nível do retrato, como na cobertura de eventos de caracter empresarial num passado recente. É actualmente e desde 2018 fotógrafo do Sporting Clube de Portugal.
- 08 de Setembro, Festival Fado-Maroc, 20h, Théâtre National Mohammed V, Rabat-Marrocos. Com Cristina Branco e Bernardo Couto
- Todos os domingos, na Telefonia da Amadora, entre as 21h e as 22h, Programa "Um certo Oriente", apresentado pelo Arabista António José, um espaço onde se misturam ritmos, sons e palavras, através das suas mais variadas expressões, pelos roteiros do Médio Oriente e Ásia.
Raúl M. Braga Pires, Politólogo/Arabista, é autor do site www.maghreb-machrek.pt (em reparação) e escreve de acordo com a antiga ortografia.