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Após os acontecimentos do passado fim-de-semana na Rússia é inevitável alargar o espectro da análise, ao alcance global da acção deste grupo de mercenários. África tem sido o palco privilegiado para a sua acção, nomeadamente República Centro Africana, Mali, Líbia e República do Sudão.
No entanto e aparentemente a presença e acções dos Wagner, têm-se se mantido sem alterações no continente africano. Porquê?
Porque África há muito que já representava o ganha-pão destes mercenários. Sabe-se agora que as armas que precisavam para continuarem a missão na Ucrânia, já vinham destes países africanos e não da Rússia. O mesmo relativamente ao financiamento, através dos Acordos Independentes que o Grupo assinou com a República Centro Africana, Mali e República do Sudão, para acesso e controlo exclusivo a minas de ouro, diamantes e urânio.
Quando o Grupo Wagner entrou em África, em 2017, a Rússia já tinha acordos de cooperação militar com 18 países africanos, na procura de aí estabelecer bases militares. Quantas mais, melhor! É nesta intercepção de interesses que a vida de Yevgeny Prigozhin e a sobrevivência do seu grupo poderão ter salvação possível.
Quando ouvi dizer que o líder Wagner conseguira refúgio na Bielorrússia, imaginei logo que o passo seguinte fosse a fuga para a Líbia ou outro país africano dos mencionados. Salva a vida e mantém um certo estatuto apesar de pária para Moscovo, fundamental para o Presidente Putin não perder ainda mais a face. Quanto ao Grupo em si, é inevitável que seja integrado nas fileiras oficiais e mantenha todas as missões em África, a partir daí, oficialmente ao serviço da Mãe Rússia. Porquê? Porque são quem tem capacidade de manter o fluxo dos minerais preciosos no sentido dos cofres moscovitas. A Rússia, depauperada economicamente pela guerra, não terá como recusar esta saída, airosa por sinal, já que manterá certos equilíbrios precários, mas fundamentais para não se entrar pelo irracional adentro. Aliás, os avanços e recuos de Prigozhin durante o passado fim-de-semana demonstram exactamente isso, tudo isto tem sido racional até aqui. Daqui para a frente, tudo dependerá "das artes" de Putin e dos outros. Mas que outros?
As Nações Unidas e as suas missões, em África, com falta de robustez deverão continuar, a falta de armas e de motivação da União Africana deverão manter-se, o peso do trauma do ex-colonizador não se apagarão nas futuras decisões/intervenções da União Europeia, factor que nos tolda o processo de tomada de decisão e o pouco interesse americano em África, à excepção da caça ao terrorista islamista, também se deverá manter, a bem da manutenção dos equilíbrios. Falhando tudo isto, ou alterando-se de forma significativa, os próximos 50 anos transformar-se-ão num "déjà vue" para África, no sentido em que será de novo plena de guerras "proxy", com a agravante dos pequenos interesses de líderes locais, com arsenal acumulado no entretanto, poderem constituir vectores importantes e adicionais à "simplicidade" da equação anterior, complicando a evolução dos acontecimentos, bem como o resultado final.
O interessante do actual momento é estarmos a assistir às mudanças a acontecerem à nossa frente e um dia podermos dizer "eu estíve lá", nem que seja sentado no sofá a ver como se avança para o irracional e o longo caminho percorrido até lá. Todos precisamos de mentiras novas, mas a que vem aí, poderá ser a mais elaborada de todos os tempos!
A Acontecer/A Acompanhar
- 29 de junho a 7 de julho, FESTin, XIV Festival de Cinema Itinerante da Língua Portuguesa. Cinema S. Jorge, Lisboa;
- Todos os domingos, na Telefonia da Amadora, entre as 21h e as 22h, Programa "Um certo Oriente", apresentado pelo Arabista António José, um espaço onde se misturam ritmos, sons e palavras, através das suas mais variadas expressões, pelos roteiros do Médio Oriente e Ásia.
Raúl M. Braga Pires, Politólogo/Arabista, é autor do site www.maghreb-machrek.pt (em reparação) e escreve de acordo com a antiga ortografia.
