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Um estrangeiro ou um ex-emigrante que venha trabalhar para Portugal tem que estar preparado para enfrentar um desafio. Os portugueses são olimpicamente improdutivos. É uma das características mais definidoras dos nossos trabalhadores. A isso segue-se um outro desafio: tentar entender porque é que os portugueses não reconhecem a sua improdutividade. Somos um anão que insiste em olhar os outros de cima para baixo. As nossas lendas identitárias reconhecem que o povo é sorumbático nas emoções e escasso nos gestos amorosos. Somos prestativos e gostamos de comida. Mas improdutivos?
Não.
Afinal de contas quem trabalha tantas horas, quem tem dificuldades em conciliar a vida doméstica com o gabinete, quem se sente cansado de tanto trabalho não pode ser preguiçoso ou improdutivo. Se fossemos uma personagem de Eça, seriamos um Gonçalo Ramires extenuado pelas longas horas de escrita e pela pressão do editor para concluir a obra.
Mas vivemos em autoenganação coletiva. A produtividade real do trabalho por hora em Portugal é 21,9 Euros. É essa a riqueza que conseguimos gerar numa hora de trabalho. É cerca de metade da média europeia. Produzimos um quarto de um irlandês ou luxemburguês. Pior, continua a baixar. Em 2018 caiu 0,6% mantendo uma tendência de queda verificada desde 2014. São dados do Banco de Portugal.
Somos trabalhadores carentes e inseguros. Gostamos de controlo, de hierarquias e de compartimentalizações. Gostamos de ser ou de ter patrões e chefes. Defendemos as nossas fronteiras de atuação profissional como se fossemos D. Nuno Álvares Pereira na Batalha dos Atoleiros. Não gostamos de ingerências, de ser desafiados, de nos misturar. Trabalhar em minifúndios, onde podemos exercer um pequeno domínio, é a forma mais eficaz de mascarar as nossas parcimónias. É assim que preservamos a soberania do nosso pequeno poder. Delegar é um risco porque empodera um possível competidor. Com isso não amadurecemos profissionalmente.
Adoramos reuniões, almoços, jantares e pequenos-almoços. À volta de prédios de escritórios existe sempre uma indústria da restauração. Qualquer funcionário sabe onde se come bem ao lado do trabalho. Os jantares com a família não demoram mais do que 30 minutos, mas os almoços com os colegas quadruplicam de duração. Levar o almoço para aquecer rapidamente no local de trabalho, uma banalidade na Suécia, nos EUA ou na Bélgica, é visto em Portugal como um gesto proletário, uma inferiorização do ser humano. Um chefe não come na kitchenette com a secretária.
Não respeitamos horários. É socialmente aceitável dizer que se está atrasado porque o trânsito está difícil ou porque a reunião anterior alongou-se. Inventamos todo o tipo de tolerâncias a atrasos: "chego em 5 minutos", "a tolerância académica é de 15 minutos." Quando alguém é pontual tendemos a singularizar o ato, apelidando-o nobremente como pontualidade britânica. Os nossos atrasos são atos bárbaros que prejudicam a produtividade tanto do criminoso quanto da vítima.
Somos pouco metódicos com a organização do dia-a-dia e com o estabelecimento de metas de curto e longo prazo. Os nossos processos têm muitas etapas e são avessos ao risco. Uma decisão precisa de vários carimbos, reais ou imaginários.
Aproveitamos mal a tecnologia. Temos poucos utilizadores de ferramentas de organização de tarefas profissionais como o Slack, o Chanty ou o Flock. Ainda gostamos de papel, de fotocópias, de assinaturas, de cartórios e de contas de padeiro. Sim, todos têm e-mail mas nem todos sentem uma obrigação profissional de responder a todas as mensagens. Há quem sinta que responder é uma condescendência. Um estudo da Gallup mostrou que os funcionários mais motivados são aqueles que conseguem manter um diálogo frequente com os seus gestores, também por e-mail. Responder a e-mails descoagula decisões e fortalece a confiança. Para a revista Inc., os novos profissionais nocivos dentro das organizações são os "unresponsive," aqueles que não respondem a mensagens eletrónicas.
Os portugueses são hierárquicos e guiam-se maçonicamente por todo o tipo de codificações profissionais para respeitar a hierarquia, seja a atribuição de títulos ou de metros quadrados nos gabinetes. A organização vertical do trabalho semeia a desresponsabilização individual porque todas as decisões são tomadas sempre por alguém mais sénior. Precisamos de esperar que um assunto seja levado ao topo e aguardar, posteriormente, que a decisão seja comunicada à base. No teorema da falsa produtividade, a soma dos lados de um triangulo equilátero é inferior à distância da base.
Não temos cultura de debate, de opinião. Não gostamos de ser questionados. Vemos a pergunta do outro como uma impertinência ou um ato deseducado. Numa reunião, os mais jovens não falam. Fora da reunião, também não. A nossa falta de abertura leva à sedentarização intelectual e decisória. Adormecemos com a cabeça deitada nas mesmas ferramentas e soluções. Operamos com uma certa arrogância, preservamos o distanciamento. Tememos a diferença. Em Israel, existe a cultura de "chutzpah" que valoriza a rebeldia e a audácia. É o 5º país não europeu mais produtivo.
As longas horas trabalhadas, mesmo se pouco produtivas, levam a um cansaço generalizado. Na Suécia ou no Reino Unido é comum o horário de trabalho terminar a meio da tarde, permitindo que as pessoas usufruam de atividades de lazer cultural, de convívios sociais ou de atividades físicas. O final do dia serve diariamente como reciclagem. Os portugueses chegam tarde a casa e vivem desgastados.
E, no final, tudo desagua na baixa qualificação dos recursos humanos (trabalhadores e empresários). O nível de escolaridade dos gestores das empresas portuguesas é comparativamente baixo. Mais de um terço dos executivos, diretores e gestores em Portugal concluíram apenas a escolaridade básica. Como escreveu Camões, "O fraco rei faz fraca a forte gente."
*Rodrigo Tavares é fundador e presidente do Granito Group. A sua trajetória académica inclui as universidades de Harvard, Columbia, Gotemburgo e Califórnia-Berkeley. Foi nomeado Young Global Leader pelo Fórum Económico Mundial