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Enquanto vai fazendo guerras retóricas em muitas frentes, Donald Trump vai agindo em concreto no sentido da destruição do sistema mundial de comércio que demorou décadas a erguer, tem múltiplos defeitos, mas tem a virtude de existir e se opor a tentações mercantilistas de nações poderosas.
Trump e os seus conselheiros estão plenamente convencidos que o mundo todo conspira para se aproveitar do sistema que regula o comércio e que todos os seus parceiros comerciais, num jogo de soma nula, tiram vantagens de prejudicar os EUA e quer pô-los de joelhos, restringindo o comércio internacional para, numa política protecionista, promover a produção nos EUA.. Alguns muito perto dele, acham mesmo que com o atual sistema de comércio internacional, a América caminha para a morte às mãos da China (vejam o livro e o documentário "Death by China", do seu influente conselheiro Navarro).
Mas não se iludam quanto a que o quadro mental da administração americana não é delimitado pela concorrência com a China, embora nela tenha por agora e por múltiplas razões o seu foco fundamental.
A destruição do sistema multilateral de comércio desaceleraria o volume das trocas comerciais, faria abrandar a economia mundial, tornaria os bens e serviços mais caros, provocaria o empobrecimento global. Como reagir, então aos EUA? Influentes especialistas em comércio internacional, como Dani Rodrik, defendem que a pior resposta a uma política unilateral de sanções é entrar no jogo e embarcar no regresso ao mercantilismo.
A política de Trump, contudo, ressoa a de outros populistas, alguns bem à esquerda, que atribuem à globalização de que o sistema mundial de comércio faz parte todos os males do mundo, em vez de atribuírem alguns à sua imperfeição e necessidade de o desenvolver. No acordo entre os EUA, o México e o Canadá, por exemplo, as críticas de Trump foram precedidas por muita gente no plano oposto do espectro político americano.
Trump parece ignorar, por outro lado, que a sua política tende a mexer nos fluxos comerciais, gerando comportamentos adaptativos por parte de empresas e mercados. Tais comportamentos, no limite, permitirão a criação de novas oportunidades aos concorrentes da EUA. É o que está a acontecer, segundo o Guardian , com as lagostas vivas do Canadá, beneficiárias das tarifas impostas pelos chineses em retaliação às tarifas impostas por sanções americanas.
As lagostas canadianas são mais caras mas estão a ganhar a guerra comercial entre os EUA e a China. Com a guerra das sanções, perdem os consumidores chineses e os produtores americanos, ganha alguém que torna o comércio mas ineficiente, beneficiando de um preço mais alto. A prazo, se seguíssemos este caminho, perderíamos todos. Para já, parabéns às lagostas canadianas. Embora seja pírrico pensar que o quinhão de benefícios num nicho - que nos pode até calhar também a nós - compensa a perda global