OE2018: ilusão monetária, insustentabilidade e factura paga por futuras gerações
A TSF convidou especialistas a analisarem o OE2018 ao longo de toda a semana. Hoje escreve Jorge Bravo, professor de Economia e Finanças da Universidade Nova de Lisboa.
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O Orçamento do Estado para 2018 não apresenta surpresas em relação às suas opções estratégicas, em relação ao modelo de crescimento económico, à consolidação orçamental, ao combate ao flagelo da dívida pública e privada, e no que toca à repartição dos sacrifícios da manutenção da austeridade, agora com uma nova roupagem, politicamente mais bem aceite pelos opinion makers «independentes» e pela imprensa, assente cada vez mais em impostos indirectos (ISP, IUC, IABA, Imposto selo, imposto sal/gorduras, etc.) e ligeiramente menos em fiscalidade directa (IRS).
Beneficiando de uma conjuntura macroeconómica internacional extremamente vantajosa (aumento da procura externa direccionada à produção interna, ganhos de quota de mercado das empresas exportadoras portuguesas, preço do petróleo a metade dos níveis verificados em 2014, taxas de juro anormalmente baixas em resultado da política monetária ultra acomodatícia do BCE e inflação baixa), o governo tem-se revelado incapaz de reduzir a dívida pública explícita (tocou recentemente a barreira dos 250.000 milhões, cerca de 3 milhões por cada criança nascida em Portugal este ano) e implícita (nos sistemas de pensões e de saúde), e de criar condições para alavancar o crescimento potencial da economia, reduzir o desemprego estrutural e diminuir a factura a pagar pelas futuras gerações.
Em resultado, o crescimento económico previsto para 2018 será inferior ao estimado para este ano, com o maior contributo a ser dado pelo aumento da procura interna (sobretudo consumo privado de bens duradouros, financiado com recurso a endividamento das famílias e a utilização da quase inexistente poupança) e pela recuperação do investimento privado que ainda assim ficará bastante aquém dos anos da Toika. Portugal será, no final de 2018, o país da OCDE que menos cresceu desde o início do milénio, um registo que aparenta não envergonhar quem tem poder de decisão. Dos inúmeros traços que um orçamento comporta, gostaria ainda assim de destacar três: a ilusão monetária, a insustentabilidade e a factura a pagar pelas futuras gerações.
A ilusão monetária. Em economia, o termo a ilusão monetária respeita à tendência que os agentes económicos têm (em particular as famílias) para pensarem (no rendimento, na despesa) em termos nominais e não em termos reais, ou seja, em termos do poder de compra da moeda. Esta nota vem a propósito do anunciado descongelamento parcial e faseado das carreiras na função pública acompanhado de mais um ano de congelamento nominal dos salários, facto olimpicamente ignorado no relatório do OE e no debate público. Se considerarmos só os anos de 2016, 2017 e o valor esperado da inflação para 2018, o congelamento nominal dos salários na administração pública reduzirá o poder de compra do funcionários públicos em mais de 3,5%. Para a esmagadora maioria destes, o anunciado descongelamento parcial das carreiras não será suficiente sequer para repor o poder de compra perdido pelo que a anunciada reposição de rendimentos só pode ser entendida à luz da ilusão de que mais rendimento nominal nos bolsos significa mais bem-estar, quando na verdade se traduz em menor poder de compra.
A insustentabilidade. As finanças públicas dizem-se sustentáveis se as receitas actuais e futuras com contribuições e impostos forem, no médio e longo prazos, suficientes para financiar a despesa actual e futura. O OE 2018 comporta um conjunto de medida que aumentam estruturalmente a despesa pública (despesa salarial e com pensões, aumento do emprego público, prestações sociais) e reduzem a receita (escalões IRS, sobretaxa IRS), propondo-se financiar estas medidas com recurso a medidas conjunturais e extraordinárias como sejam os 500 milhões de euros de dividendos do Banco de Portugal, a que acresce o respectivo IRC, poupança em juros da dívida pública à boleia do BCE, 480 milhões de euros não explicitados de contenção do consumo intermédio e de redução da despesa, etc., repetindo a estratégia do passado onde as bóias de salvação foram a redução para níveis da década de 70 do investimento público, as cativações e o perdão de dívida. Esta estratégia de curtíssimo prazo não é naturalmente sustentável e não aproveita as condições favoráveis que a envolvente externa oferece actualmente para uma aposta forte na redução da dívida pública, preparando o país para o regresso à normalidade da política monetária e para a inversão do ciclo económico que trará consigo menos receita fiscal, mais despesa social com o desemprego e uma crescente e rígida despesa social associada ao forte envelhecimento da população portuguesa.
A factura a pagar pelas futuras gerações. O presente OE assume compromissos de despesa que vão muito para além do exercício fiscal de 2018, empurrando-os para os anos seguintes. Os principais exemplos são o das progressões nas carreiras dos funcionários públicos e a actualização extraordinária das pensões. O crescente peso da despesa corrente na despesa pública, sacrificando a despesa de investimento com efeitos multiplicadores para as futuras gerações, a substituição de impostos correntes por dívida pública e a ausência de reformas estruturais em sectores como a justiça, a saúde ou a protecção social, aumentam a iniquidade intergeracional e empurram o pesado fardo do ajustamento que terá que ocorrer para as futuras gerações.
Nota do Editor: Jorge Bravo escreve de acordo com a antiga ortografia.