A TSF convidou especialistas a analisarem o OE2018 ao longo de toda a semana. Hoje escreve Fernando Rocha Andrade, ex-secretário de Estado dos Assuntos Fiscais no governo liderado por António Costa.
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O número mais importante do Orçamento do Estado para 2018 é 123,5%. Este é o valor previsto da dívida pública, em percentagem do PIB, para o final do próximo ano - representando um segundo ano de descida dessa relação, que totaliza quase sete pontos percentuais desde o princípio de 2016.
A descida do peso da dívida pública é essencial por razões de curto e de longo prazo. No curto prazo, é o principal sinal de sustentabilidade das nossas finanças pública, que permite ao Estado financiar-se nos mercados, e financiar-se a juros mais baixos. A redução do spread da dívida pública, ou seja, da diferença entre a nossa taxa de juro e a taxa de juro suportada por outros países da zona euro, vai ano após ano poupar centenas de milhões de euros de despesa pública que podem ser encaminhados para a despesa primária.
No longo prazo, trata-se de assegurar um processo sustentado de descida da dívida pública para valores inferiores aos que se registavam antes da crise financeira. Mesmo com a descida já registada, o valor da dívida pública vai ser historicamente alto (ainda próximo do valor que se registava no início do programa de assistência), e um valor alto significa, por um lado, que uma larga fatia dos nossos impostos é encaminhada para o pagamento dos juros; por outro, que é reduzido o "espaço orçamental" do país, ou seja, a capacidade para aumentar o défice como resposta a uma crise.
Esta é uma situação que não devemos deixar para as próximas gerações. Desde que o tratado de Maastricht, em 1992, criou limites ao deficit orçamental para os países integrantes do euro, o debate em torno do orçamento e da dívida pública é feito sobretudo por referência ao cumprimento das regras europeias. Sendo necessário que estas sejam cumpridas, a verdade é que seguir políticas que conduzem a finanças públicas sustentáveis é sobretudo necessário por razões internas - as que se prendem com o financiamento presente da nossa economia e com a redução do encargo que deixamos para as próximas gerações de portugueses. Esta exigência de orçamentos que reduzam o peso da dívida pública vai estar presente, ano após ano (pelo menos na ausência de crises) pelo menos nas próximas duas décadas. O compromisso com este objetivo é assim o que se exige a toda uma geração de decisores políticos.
A dívida pública não é o único grande compromisso financeiro do Estado para o futuro. Fora dessas contas está a dívida implícita que é gerada todos os anos para com os trabalhadores que descontam para a Segurança Social - o pagamento das suas futuras pensões de reforma. É assim de relevar que, pelo segundo ano consecutivo, o Orçamento alargue as fontes de financiamento da Segurança Social, o ano passado com a criação do AIMI, este ano com a consignação ao fundo de estabilização de uma parte das receitas do IRC, que progressivamente atingirá 2 p.p., isto sem aumentar o imposto, ou seja, abdicando dessa receita no financiamento da despesa corrente do Estado. Há 3 anos propunha-se o corte de 600 milhões de euros na despesa anual em pensões para assegurar a sustentabilidade do sistema. Agora, com o crescimento sustentado do emprego e o alargamento das fontes de financiamento, essa sustentabilidade parece assegurada para o horizonte visível.
Fernando Rocha Andrade foi secretário de Estado dos Assuntos Fiscais do governo liderado por António Costa e é atual deputado pelo Partido Socialista e professor universitário.