O estranho caso do NRP Mondego

Se o Chefe do Estado-Maior da Armada (CEMA) acha mesmo que há uma conspiração política contra si, por ser um putativo candidato à Presidência da República, não o deveria ter dito. Ou, uma vez verbalizada a teoria, tinha a obrigação de completar a frase. Uma conspiração pensada por quem, de que ala, de dentro ou de fora da Marinha, de que partido, de que grupo. De onde.

O Almirante, que vem da ala dos submarinistas, não colhe simpatias do lado dos fragatistas. Primeiro, por ser "dos submarinos"; depois, pela forma atribulada, apressada, mal explicada e súbita como ascendeu ao cargo, quando o seu antecessor - fragatista - ainda tinha mandato. Há, na Armada, muito almirantado pouco agradado com a popularidade e notoriedade do seu atual CEMA. O herói das vacinas - o salvador da pátria, o disciplinador que conseguiu pôr ordem numa casa que estava a arder, em que vereadores sinistros, provedores de misericórdias e outros miseráveis detentores de pequenos poderes se puseram à frente dos idosos e dos doentes para serem vacinados primeiro - não goza, dentro da corporação que dirige, da mesma popularidade, consenso e admiração que lhe prestam o país fora dos quartéis.

Dito isto, sobram, até agora, muito mais perguntas que respostas. Quem conhece, ainda que minimamente, a forma de funcionamento dos militares sabe que, salvo raras exceções, o lema é um por todos e todos por um. Ou seguem todos, ou não vai ninguém. A primeira perplexidade do estranho caso do NRP Mondego tem a ver com isto. Porque é que só metade da tripulação considerou que as condições meteorológicas eram adversas e as falhas técnicas - já admitidas - no navio impediam o cumprimento da missão? Será metade da guarnição mais prudente que a outra metade? Mais medrosa do que a outra metade? Mais consciente do que a outra metade? Um navio é uma unidade militar, onde todos vivem juntos e em conjunto, dias sem fim. O facto de "só" metade da guarnição se ter recusado a cumprir a missão revela uma estranha fratura dentro de um grupo que costuma ser unido, coeso e solidário, quanto mais não seja, por necessidade.

E, outra perplexidade. Porque é que, até agora, a "outra metade" da guarnição nada disse? Só conhecemos a versão dos amotinados, do comandante do navio e do próprio CEMA. E os restantes marinheiros? Onde andam? O que têm para dizer? Não deveriam, também, ser ouvidos?

Na véspera da recusa em embarcar, embora o comunicado - público - dos treze militares esteja datado assim: "Bordo, 11 de Março de 2023", o mesmo navio, nas mesmíssimas condições, tinha vindo de uma missão de patrulhamento nas selvagens, bem mais longe que o Porto Santo. O que mudou em apenas algumas horas para que uma parte da guarnição recusasse a missão?

Desobedecer a uma ordem direta de um oficial, no caso, de um oficial que comanda o navio, é um ato demasiado raro, grave e complexo para ser encarado de ânimo leve. Mais do que o facto de a "disciplina" ser "a cola" das Forças Armadas, o primeiro dever do Regulamento de Disciplina Militar é a "obediência". Sem mais. As missões, de facto, não podem ser decididas em plenário ou de braço no ar, com base em achamentos, opiniões e estados de alma.

O CEMA alegou que, tendo-se tornado públicas as razões do não cumprimento da missão, deveria responder à guarnição "olhos nos olhos" e igualmente de forma pública. Fez mal. O ralhete, dado no convés e transmitido em direto, não passa de uma encenação para mostrar quem manda. E, para isso, não era necessário que a comunicação fosse pública. Bastaria a presença do CEMA no Funchal, a dizer o que disse, no final do discurso. O que houvesse para aclarar sobre disciplina militar, a discussão do ato em si e a análise ao que a ele levou, deveria ter sido reservada.

Nesta altura há, ainda, demasiadas perguntas sem resposta. Muitos nós de marinheiro por desatar. Falhas na cadeia de comando, omissões várias, atraso nas decisões e uma escalada acelerada que passa de quatro sargentos e nove praças diretamente para o chefe maior da Armada.

Este é mesmo um estranho caso, o do NRP Mondego.

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