
O alerta é da Associação Portuguesa de Editores e Livreiros (APEL): o setor está à beira de uma falência massiva. Em 2020, registaram-se perdas na ordem dos 25%, mas as livrarias atravessaram um período particularmente negro durante o primeiro estado de emergência, chegando a sentir quebras de 80%. O cenário repete-se agora, tendo sido totalmente proibidas as vendas em hipermercados e outros locais abertos, bem como ao postigo.
Na semana passada, após a reunião dos partidos com o Presidente da República para a renovação de mais um período de emergência, chegou a ser anunciado que esta seria uma das propostas de alteração, tendo sido transmitida a vontade de Marcelo Rebelo de Sousa de criar condições para permitir a venda de livros. O decreto regulamentar do Governo, contudo, acabou por manter as restrições.
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Na origem da proibição está o argumento de que os hipermercados ou papelarias entrariam em concorrência com livrarias tradicionais, obrigadas a encerrar. Alega-se também que é possível a compra online, ainda que nem todos os portugueses estejam familiarizados com este método, que claramente não compensa os canais tradicionais.
A questão é de conceito, na forma como o livro é encarado como bem essencial ou algo acessório. Um conceito que, de resto, difere do entendimento quase generalizado na Europa. Ontem, a Federação Europeia de Editores enviou uma carta ao Governo português, apelando a que permita que livreiros e lojas legalmente abertas vendam livros, tal como acontece na maioria dos países europeus, que incluíram as livrarias entre os estabelecimentos essenciais autorizados durante o confinamento ou permitiram, no mínimo, a venda ao postigo.
Um livro é um bem essencial, tal como um jornal ou uma revista. Não é por acaso que os decretos do estado de emergência consagram sucessivamente o direito à informação, autorizando que os quiosques e papelarias continuem abertos. Qual a lógica de permitir a venda de tabaco ou de uma raspadinha, mas não a venda de um livro?
Em confinamento há, em teoria, maior disponibilidade para a leitura. E se há algo que os estudos sobre os efeitos do ensino à distância demonstraram inequivocamente, no ano passado, foi o efeito avassalador sentido na capacidade de leitura das crianças do primeiro ciclo. São défices difíceis de recuperar, e que se somam a dificuldades crónicas do país relativamente ao livro e à leitura.
Recupere-se o resultado de um estudo do Plano Nacional de Leitura e do ISCTE, divulgado em setembro, que revelou um decréscimo nos hábitos de leitura dos jovens. A maioria dos 7.469 alunos do 3.º ciclo e ensino secundário inquiridos admitiu ter lido menos de três livros por prazer nos 12 meses anteriores ao inquérito e cerca de 21,8% afirmaram mesmo não ter lido nenhum livro durante o referido período. Um agravamento em relação a 2007, ano em que a percentagem de adolescentes e jovens que não liam era de 11,9%.
Não basta o Ministério da Cultura aprovar valores (insuficientes face à crise) para aquisição de livros. Nem basta desenvolver planos nacionais e iniciativas de promoção da leitura. É preciso ser consequente e considerar o livro um bem essencial. Que potencia a criatividade, promove competências, abre horizontes. Um bem essencial, de facto e não apenas em tese.