São cem dias de um Governo com um apoio parlamentar inédito e que, mal tomou posse, teve de negociar um orçamento, dentro e fora do país. Falámos com quatro ministros para conhecer as maiores surpresas e dificuldades que encontraram.
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Pedro Marques: TAP
O ministro do Planeamento e Infraestruturas não tem dúvidas em afirmar que a maior dificuldade que encontrou foi renegociar a privatização da TAP: "Encontrámos um processo mal preparado, mal desenvolvido, com muita insegurança, que trouxe muita instabilidade à TAP, e que no essencial foi posto em causa pelo regulador da aviação".
Pedro Marques sublinha que o Governo "enfrentou as dificuldades e foi possível, antes do parecer do regulador, dar estabilidade, segurança e mais futuro à TAP através de um acordo entre o Estado e o consórcio privado, o Atlantic Gateway, que permanece na empresa".
O ministro considera que o compromisso passou por "respeitar e valorizar o investimento privado que acreditámos que era necessário, mas em condições em que o Estado repõe uma posição estratégica e uma palavra fundamental no futuro da empresa, permanecendo como acionista maioritário da TAP". Esta condição, explica Pedro Marques, "era para nós muito importante, foi alcançada em tempo útil, e ainda bem que isso foi feito, e rapidamente, porque a empresa teria muita dificuldade em enfrentar a instabilidade e insegurança de uma privatização mal feita, a correr, com o governo demitido". "Essa foi, claramente, a maior surpresa que encontrei", afirma.
Vieira da Silva: um ministério com falta de pessoal
O ministro revela que encontrou "um ministério com uma acentuada escassez de recursos, alguma má organização e falta de preparação para os desafios que tínhamos de encontrar no imediato, como elaborar um orçamento". Vieira da Silva acrescenta ainda "uma sensação de pouca capacidade de mobilização da máquina, isto apesar de existirem muitos trabalhadores no ministério com enorme sentido de missão". A "quantidade e a organização dos recursos disponíveis para quem tem de fazer um orçamento ou trabalhar num quadro comunitário novo foram uma surpresa negativa", afirma o governante.
Estas dificuldades são o reverso da boa surpresa que diz ter encontrado na facilidade da negociação do Orçamento do Estado com os partidos da esquerda que apoiam o Governo no parlamento: "a lógica, a filosofia política, a tradição não são as mesmas, mas, muito sinceramente, fiquei muito surpreendido com a capacidade de aprendermos mutuamente e de construirmos pontes de forma mais fácil do que se poderia supor", sublinha.
Caldeira Cabral: transformar ideias em políticas
O ministro da Economia afirma que a maior dificuldade foi "obviamente, a de formar equipa e ao mesmo tempo fazer o orçamento". Caldeira Cabral explica a dificuldade "com os calendários e com a coordenação, mas conseguimos fazer um bom orçamento, e isso significa que mesmo os desafios mais difíceis podem ser superados".
Ainda no campo das dificuldades, o governante argumenta que o mais difícil é passar as políticas do papel para o terreno: "o maior desafio é sempre o de implementar as políticas. Temos as ideias, temos de as trabalhar com parceiros, e temos depois de as implementar", afirma. Manuel Caldeira Cabral sublinha que o ministério está neste momento "a implementar medidas na área da capitalização das empresas, e estamos já a fazer chegar fundos às empresas para que elas se possam capitalizar e voltar a investir".
A inovação é outra aposta do ministério: "estamos também a trabalhar com muitos parceiros na área da inovação, e é um desafio que tem corrido muito bem. Mas é um grande desafio, que é o de trabalhar em equipa com outros ministérios, neste caso o da ciência. Temos tido uma colaboração extremamente proveitosa que vai dar bons resultados às empresas mas também às nossas universidades. Esta colaboração entre universidades e empresas cria mais emprego para os jovens qualificados portugueses", realça.
Eduardo Cabrita: a resposta à crise dos refugiados e o sistema financeiro
O ministro-adjunto do primeiro-ministro elege a resposta nacional à crise dos refugiados como a melhor surpresa destes 100 dias. Eduardo Cabrita argumenta que "a capacidade de união da sociedade portuguesa em torno de uma resposta ativa ao desafio dos refugiados mostraram um Portugal solidário ao melhor nível".
O governante critica o governo anterior devido à "dimensão para os contribuintes da opção deliberada de fragilizar o sistema financeiro, escondendo debaixo do tapete as consequências da resolução do BES" e lamenta a resolução do BANIF.
Já a negociação com os partidos da esquerda para o Orçamento do Estado foi, na opinião do ministro, uma "afirmação da Democracia". Cabrita afirma que "houve um grande sentido de responsabilidade, rigor e transparência num orçamento que prova que existe alternativa, que a democracia funciona e assenta em escolhas com apoio maioritário no parlamento. Houve um virar de página da austeridade".