Os três dias de congresso do PS não foram excitantes, mas deixaram muitas pistas para sabermos como está o PS e como vai ser o Governo daqui para a frente. E deixaram de fora 4 temas importantes.
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CINCO CONCLUSÕES
1. O povo (socialista) adora a geringonça. Pelas mais de 100 intervenções que se ouviram no palco, os militantes do PS não podiam estar mais felizes com a coligação de esquerda. Dos dirigentes vieram enormes elogios a Jerónimo de Sousa e Catarina Martins. Dos socialistas menos conhecidos veio um conforto notório - e a perceção de que o partido não cedeu muito, do ponto de vista programático, aos dois partidos à esquerda. Passos continua a unir os espíritos do outro lado do plenário. Pelo que Costa sai do congresso muito tranquilo com a solução - até face ao reconhecimento de alguns seguristas de que ela está mais sólida do que previam (como Eurico Brilhante Dias e Álvaro Beleza).
2. O Estado Social é o cimento da esquerda. Sempre que o tema era o SNS, a Escola Pública ou a Segurança Social o congresso levantou-se em aclamação. Mesmo no encerramento, o protesto dos colégios privados à porta da FIL acabou por ser útil aos socialistas, com António Arnaut a espoletar uma enorme salva de palmas ao ministro da Educação - que terminou depois, com Costa a elogiar a sua resistência aos lóbis. Olhando para isto, o diálogo com o PSD sobre a Segurança Social parece realmente improvável.
3. O euro-otimismo esbateu-se (mas não tanto para o líder). Bastou Pacheco Pereira entrar num debate com Ana Drago (dois convidados externos do congresso) para se perceber que o clima no PS já anda longe do otimismo europeu. Sempre que Pacheco criticava o Tratado Orçamental e o responsabilizava pela crise europeia, havia palmas. Mais tarde, Francisco Assis tentou recentrar o partido, alertando para o "vírus do anti-europeísmo". Mas sem recetividade do público da FIL. E com resposta de João Galamba no palco, ele que é o porta-voz do partido: "Este não é o Partido Europeísta. É o Partido Socialista, ponto".
Foi preciso chegar ao fecho do congresso para se ouvir António Costa a fazer uma quadratura do círculo: o primeiro-ministro deixou o aviso interno de que não há socialismo fora da Europa - mas não sem avisar que é preciso lutar por mudar o sentido da política europeia. Costa insiste num orçamento europeu, mais federal portanto, contrariando um pouco a tendência dentro do partido para se aproximar mais do discurso crítico do Bloco e PCP contra o Tratado Orçamental.
3. O Governo ainda teme as sanções europeias. Foi provavelmente a notícia do dia 2: António Costa levou Martin Schultz, presidente do Parlamento Europeu, subiu ao palco para dizer bem alto que é contra a aplicação de sanções a Portugal. A decisão final da Comissão Europeia deve vir daqui a um mês. E Costa e Marcelo fizeram uma união de esforços diplomáticos para fazer pressão sobre Juncker, mas também sobre PSD e CDS para que exista uma união nacional em torno do tema. Daqui a um mês teremos conclusões do processo, mas fica claro com o tempo que Costa gastou no discurso final para perceber que ainda se teme no Governo que as sanções venham mesmo.
4. A normalidade não é unânime... António Costa fechou o seu primeiro discurso dizendo que o país já entrou numa nova normalidade. Mas não faltaram referências a obstáculos no congresso. Ricardo Gonçalves, de Braga, avisou que se a economia não crescer o PS se arrisca a perder as autárquicas ("não é com um governo apoiado pelo PCP e pelo Bloco que os empresários vão ter confiança para existir", disse ele, na frase mais dura do congresso).
A ameaça de sanções europeias apareceu de quando em vez. O secretário de Estado dos Assuntos Fiscais recusou-se a excluir (em definitivo) um aumento de impostos nos próximos seis meses. Na TSF, Ana Catarina Mendes, a nº 2 de Costa, foi clara: "Em seis meses não se consegue uma normalidade. Isso vai-se construindo com o caminho".
5. Agora a economia. Costa tentou encerrar o congresso com a mensagem de que tinha acabado a primeira fase da governação e que agora se seguia a aposta na economia. Esta semana vem já um programa de apoio às startups, depois virá um outro para apoiar a reabilitação urbana - ainda acompanhados por mais devoluções de rendimentos das famílias. Faltaram umas peças, mas já lá vamos.
6. As autárquicas não vão ser coisa simples. Ouviu-se uma crítica ao adiamento da reversão das freguesias, um aviso de Costa que não dá para fazer "pacto" com o PCP, mas também não pode haver "agressão; também se ouviu Manuel Alegre dizer que é preciso ganhar as eleições, para afastar "algumas tentações que se ouvem". Que tentações? Pode ser do Bloco, do PCP, mas também pode ser uma referência a Marcelo, o Presidente, que já disse que "até às autárquicas" não haverá problema.
7. Rui Moreira tem mais um apoio. A corrida à Câmara do Porto ficou de fora dos discursos, até mesmo do feito pelo vice-presidente da Câmara, o socialista Manuel Pizarro. Mas António Costa deixou claro no final que vai mesmo apoiar Rui Moreira para um novo mandato. Fica menos um problema para resolver, mesmo que com alguns descontentes a Norte no partido.
OS TABUS
O Orçamento de 2017 - e as negociações à esquerda. Será um dos maiores obstáculos à governação dos próximos meses, mas a distância de setembro ajudou a evitar o tema no congresso. Mesmo os seis grupos de trabalho formados com o Bloco (em discussão paralela com o PCP) foram literalmente ignorados pelo congresso. Nem dívida pública, nem reforma do IRS, nem política de habitação, nem redução de custos energéticos, nem combate à flexibilidade laboral. De resto, nem de contas públicas se falou. A novela segue dentro de uns dias.
A banca. O tema mais discutido no país neste momento ficou fora dos discursos, seja de menbros do Governo, seja dos militantes. Nem a CGD e a sua recapitalização, nem a venda do Novo Banco, tão pouco o suspense no BPI e BCP - ou a relação com o BCE, Banco de Portugal ou DG Comp.
Uma dúvida nas autárquicas. António Costa foi subliminar na formulação: "Vamos candidatar-nos, em regra, com as nossas próprias cores. Como é claro e já foi dito pelos partidos [da esquerda] os acordos de governação não cobrem as autárquicas. Cada um fará por si, faremos tudo para sermos os melhores e termos os melhores resultados. Não quer isto dizer que não devamos fazer, repetir ou renovar experiências que têm provado bem." Com o exemplo da Madeira, Costa abriu espaço para coligações pontuais. Muitos pensaram que as tentará pelo menos em Lisboa, mas a pista ficou aberta.
O sr. Presidente. Marcelo não foi tema no palco - nem no discurso de António Costa. Verdade que o PS ainda está em tempo de lua-de-mel (mais tema, menos tema), mas nos bastidores e almoços já há conversas laterais que antecipam pelo menos um problema a caminho: se não houver rutura, como fará o partido nas próximas presidenciais?