A um mês e dois dias da ida às urnas para escolher os representantes no Parlamento Europeu, o TSF Europa aborda a abstenção a partir do estudo feito pela equipa da Divergente, uma revista digital de jornalismo narrativo. Recebemos na TSF Luciana Maruta. A abstenção como bomba-relógio eleitoral.
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Depois de amanhã, quinta-feira, é dia da Europa. Vão ser muitas as iniciativas nos 27 Estados-membros da União Europeia. Portugal não foge à regra. A iniciativa "A Bomba-Relógio da Abstenção" acontece dia 9 na Culturgest, em Lisboa. A revista Divergente realiza uma conversa sobre abstenção naquilo que pretende que seja "uma reflexão coletiva sobre as motivações da abstenção de voto e sobre como este fenómeno está a afetar a democracia na Europa". Beatriz Walviesse, Luciana Maruta e Sofia da Palma Rodrigues são as autoras do projeto.
São cada vez mais os europeus que não votam. Um quarto não participa em qualquer tipo de eleição e quase metade não vai às urnas escolher os representantes para o Parlamento Europeu. Nas europeias de 2019, foram sete em cada dez os portugueses que se abstiveram, colocando o país no pelotão da frente da abstenção.
Em A Bomba-Relógio da Abstenção, investigação de jornalismo de dados, confronta-se a abstenção de voto da União Europeia com os números da desigualdade, do desemprego, da escolaridade, entre outros indicadores. Na TSF, Luciana Maruta explica que "este estudo é um estudo, antes de ser um projeto de jornalismo de investigação e de jornalismo de dados, porque parte de uma recolha exaustiva de dados nos 27 países da União Europeia desde 1974 até 2023".
As autoras investigaram e trabalharam jornalísticamente dados de "697 atos eleitorais e 49 anos de eleições". Portanto, cruzando esses dados da abstenção com "16 indicadores que, juntamente com a equipa que trabalhou connosco porque lá está, somos jornalistas, não somos investigadores na génese e então, trabalhámos com a Dinâmia Set, com dois investigadores que nos ajudaram"; desde logo a compreender "quais os indicadores que seria possível recolher neste neste grande número de países chegarmos aos 16. Um deles é desigualdade; há também a questão do rendimento médio mensal e, no fundo, o nosso objetivo era traçar o retrato dos territórios onde menos se vota, não só em Portugal, também nos vários países da União Europeia e, portanto, o objetivo principal era esse, fazendo essa recolha de dados e fazendo uma análise qualitativa que depois nos permitiu chegar a algumas conclusões".
47% dos Europeus não votaram nas últimas eleições europeias. Em Portugal, foi bastante superior. Porque é que os portigueses tendem a ficar em casa quando se trata de eleger quem nos representa no Parlamento Europeu? Os dados dos e analisados pela Divergente demonstram, de algum modo, que há que há localidades que se abstêm mais por as pessoas se sentirem, de facto, marginalizadas. Maruta afirma: "depois de olharmos para os dados, identificámos as dez freguesias onde menos se vota e posso partilhar que que na região sul, em Almancil e Quarteira, na região do Alentejo, Mourão e Borba Matriz, aqui na zona de Lisboa, Agualva-Cacém e Mira-Sintra, São Marcos, são freguesias que têm muita abstenção nas autárquicas. E depois a Norte, temos a Morgado na zona de Vila Real, Parada do Monte e Cubalhão, em Viana do Castelo, e também temos as ilhas muito representadas, Açores, principalmente". Rabo de Peixe bate os recordes de abstenção no país.
Ou seja, o afastamento do processo eleitoral não é, portanto, um exclusivo de zonas mais rurais ou mais desertificadas. As autoras do projeto identificam "alguns padrões", tais como, "um interior desertificado com preocupações muito singulares pelo território, pela população que o habita, mas também temos cidades médias que dizem que não têm apoio para fazer os investimentos de que realmente necessitam e quando olham para aquilo que é discutido e para os grandes temas abordados no universo da política sentem que há muitos deles estão afastados daquilo que é a sua realidade do dia a dia". Perto das grandes metrópoles "existe também um certo desfasamento daquilo que é a necessidade das pessoas que têm que maioritariamente se deslocar, falando na freguesias de Agualva-Cacém em que a grande maioria dos trabalhadores se deslocam para fora da freguesia para trabalhar, portanto, acabam por não estar presentes na freguesia, apenas ao fim de semana, e portanto, no fundo são territórios, chegámos a esta conclusão, que se sentem à margem. Não quer dizer que que estejam à margem, mas, de facto, as pessoas que o habitam sentem-se assim, sentem que os os problemas do dia a dia, aquilo que gostariam de ver resolvido, os investimentos até que são feitos" não têm impacto nas suas vidas.
A jornalista da Divergente explica que quando foram para o terreno ouvir eleitores dessas freguesias nacionais mais abstencionistas, “falámos com operador de máquinas, nós falamos com peixeiros, pescadores, falámos com uma postura, ou seja, são tudo pessoas que habitualmente não têm muita voz ou, pelo menos, não são ouvidas na grande maioria das vezes também porque têm um discurso muito cru, não têm um discurso pensado nem previamente refletido, dizem aquilo que lhe está à flor da pele e, portanto, foi muito interessante perceber algumas das coisas que preocupavam estas pessoas em diferentes territórios, que são preocupações comuns”.
São territórios “que se sentem muito distantes daquilo que que que a União Europeia representa. Em Borba, por exemplo, tens uma série de cartazes e em frente ao Mercado Municipal e uma série de outras infraestruturas” que de facto mostra o peso que a UE tem, infra-estruturas que só existem porque houve financiamento comunitário por isso, por vezes totalmente ou quase totalmente, mas, salienta Luciana, “de facto não é isso que importa às pessoas, ter um Mercado Municipal que obriga as pessoas com pouca mobilidade a usá-lo muito poucas vezes, porque os acessos não estão facilitados, ou seja, foi um investimento aparentemente com muito boa vontade e com boas intenções, mas não cumpre o propósito porque as pessoas mais velhas não o utilizam. Cruzámo-nos com alguém que partilhou isso connosco e, portanto, isso são as vivências de quem habita estes territórios e que se traduzem em preocupações muito particulares e muito singulares, que muitas vezes não têm espaço naquilo que são os debates e aquilo que são as preocupações mais genéricas”.
Há, pelo menos nestes territórios, “um grande afastamento daquilo que a União Europeia representa e até descrença ou descrédito naquilo que é o peso que Portugal tem no Parlamento Europeu”. As pessoas realmente sentem-se afastadas, não sentem proximidade porque em alguns, até porque também há territórios em que se vota muito nas autárquicas e tão pouco com abstenções de 96% nas europeias. O discurso que existe é que realmente há financiamento e existem uma série de verbas, mas que as verbas no fundo depois não são aplicadas em algo que se traduza de forma muito positiva e diferenciadora na rotina no dia-a-dia das pessoas”.
O novo programa TSF Europa pode ser ouvido de segunda a sexta-feira às 09h15 e às 18h15. Já as entrevistas na íntegra com os cabeças de lista às europeias podem ser ouvidas depois das 16h00 e sempre em TSF.pt até às eleições.