A “culpa por não votar” e o voto “como opção”. Estudo sobre abstenção recomenda voto aos 16 anos e transportes grátis em dia de eleição
O estudo "Abstenção Eleitoral em Portugal: Mecanismos, Impactos e Soluções", da Fundação Francisco Manuel dos Santos, conclui que existe uma “carga moral associada ao voto”
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Um estudo da Fundação Francisco Manuel dos Santos deixa recomendações para aumentar a participação eleitoral e traça o retrato dos eleitores: os “mais velhos, mais instruídos e com participação religiosa mais forte tendem a ter um sentimento moral associado ao voto”.
O estudo "Abstenção Eleitoral em Portugal: Mecanismos, Impactos e Soluções" da autoria de João Cancela (NOVA FCSH) e José Santana Pereira (ISCTE-IUL) conclui que existe uma “carga moral associada ao voto”.
“Temos pessoas que se sentem muito culpadas perante a perspetiva de não votar. São pessoas que associam quase uma carga de obrigação ao ato de votar e, em contraponto a isso, temos pessoas para quem votar é essencialmente uma opção, é um direito de que se pode ou não fazer gozo em função de diferentes circunstâncias”, explica João Cancela em declarações à TSF.
O investigador adianta que, no caso português, existe uma “distribuição algo assimétrica deste sentimento moral da obrigação de votar”.
“São as pessoas mais velhas, as pessoas mais instruídas, com uma participação religiosa mais forte, que tendem a ter este sentimento moral associado ao voto mais carregado, em contraste com as pessoas menos instruídas, mais jovens e aqueles que pertencem a minorias étnicas ou que adquiriram a nacionalidade portuguesa por via da imigração”, detalha.
Ao contrário do que se verifica noutros países, este estudo sugere que os votantes intermitentes e os abstencionistas se posicionam “ligeiramente mais à direita e preferem ser representados por políticos não profissionais”.
Entre as justificações para não votar estão: a desconfiança na política e nos políticos, perceção de que o voto não traz mudança e o desinteresse face à oferta partidária.
Este estudo recomenda um teste piloto de voto a partir dos 16 anos, embora os autores admitam que nem as sondagens - “apenas 10% dos portugueses que consideram essa uma medida potencialmente positiva” -, nem a vontade política vão nesse sentido.
Outra das propostas é a facilitação de transporte público gratuito em dias de eleição, já que o estudo conclui que “a distância até ao local de voto é um obstáculo significativo, especialmente para grupos vulneráveis”. Uma proposta que os autores defendem sobretudo para “zonas periféricas, com populações já mais envelhecidas”.
Os autores recomendam ainda a reflexão sobre a criação de um círculo eleitoral de compensação para evitar a ideia de que existem votos “desperdiçados” em alguns dos atuais círculos.
Pelo contrário, o estudo não recomenda o voto online (pelos riscos associados), nem o voto obrigatório, devido à “baixa aceitação social” e os “riscos de comprometer a liberdade individual e dos votos mal-informados”.
O estudo mostra que a abstenção eleitoral em Portugal tem “mostrado um crescimento significativo desde a transição para a democracia, refletindo desigualdades na participação” embora as eleições mais recentes indiquem uma “possível recuperação”.
Em termos geográficos, as áreas urbanas “tendem a ter maior participação, enquanto zonas rurais apresentam níveis mais baixos, exceto nas autárquicas”.
Este estudo refere ainda que a abstenção eleitoral em Portugal “gera preocupações sobre a legitimidade democrática e a representação política”. De acordo com os dados recolhidos, 23% dos inquiridos consideram que pode existir um “défice de legitimidade”, 26% acreditam que as políticas públicas “não refletem os interesses de todos devido à abstenção” e cerca de um terço dos inquiridos consideram que existe o risco de “não responsabilização por más decisões”.