Jorge Pinto: "A minha candidatura vai mesmo até ao fim. Até 18 de janeiro"
Autores: Francisco Nascimento (TSF) e Carla Soares (JN)
Corpo do artigo
Embora tenha deixado a porta aberta a uma desistência, numa primeira fase, o candidato a Presidente da República Jorge Pinto fechou essa porta de vez. Na entrevista TSF/JN, o candidato apoiado pelo Livre garante que vai levar a candidatura até ao fim e acusa mesmo António José Seguro de "deturpar" a disponibilidade que demonstrou para convergir a esquerda numa candidatura para Belém.
O Jorge Pinto tem um passado no PS, foi militante, saiu precisamente em 2013 quando o António José Seguro era secretário-geral. Desiludiu-se com o partido ou mais com o líder?
É interessante que me pergunte isso, eu hoje vim precavido, porque é a segunda vez que me perguntam. Na verdade, fui militante do PS desde os 18 anos até à fundação do Livre, fui à procura dos documentos dessa época, encontrei um e-mail que enviei a recusar assinar a proposta para que José Sócrates continuasse como secretário-geral do Partido Socialista, portanto, ainda antes, digamos, da sua queda em desgraça dentro do próprio partido, eu próprio já dizia que não me identificava com o mesmo. E encontrei também a carta de desfiliação, esta mais longa, que enviei quando António José Seguro era secretário-geral do PS, e as coisas que eu leio são coisas com as quais eu continuo a concordar completamente, e entre outras coisas eu digo "a política portuguesa e em particular a sua esquerda precisa de ser renovada", continuo a achar isso. "Caso não se tomem medidas, o perigoso afastamento entre a sociedade e os partidos vai continuar a aumentar. Como socialista que sou e sempre continuarei a ser, julgo que neste momento histórico excecional serei mais útil fora do Partido Socialista do que dentro, da minha parte continuarei a tudo fazer para que o futuro traga mais justiça e igualdade, lutando dentro das minhas possibilidades para que tal se verifique". Portanto, isto foi o que eu escrevi em 2013, continuo muito a concordar com tudo isto e, na verdade, continuo no mesmo espaço ideológico onde sempre estive.
Que outras pessoas, nomeadamente António José Seguro, se têm desviado daquele que era o espaço ideológico, que é o do meio da esquerda, onde o PS também chegou a estar, então a responsabilidade está do lado deles. Da minha parte, continuo a ser aquilo que sempre fui, deste meio da esquerda que não tem medo de o ser, nem vergonha de o ser, desta esquerda que é europeísta e que acredita também que tem um papel a desempenhar à escala global, e desta esquerda que é também regionalista.
Ao contrário dos adversários mais diretos à esquerda, Catarina Martins e António Filipe, já admitiu desistir a favor de António José Seguro, apesar de também dizer, ao mesmo tempo, que é o candidato que tem mais vontade de ganhar. Qual a razão para esta contradição?
Deixe-me dizer com toda a clareza, a minha candidatura vai até ao final. Fui deturpado naquilo que disse. António José Seguro que se diz já tão afastado do mundo político, parece ter mantido os piores hábitos dos políticos, que é o de deturpar aquilo que outras pessoas dizem. O que eu disse, e isso já é um assunto de ontem, já não é de hoje, é que ainda íamos a tempo de falar de convergências à esquerda desde que fosse mútuo e que, evidentemente, as outras candidaturas estivessem dispostas a desistir para a minha própria, caso eu fosse o candidato mais bem colocado. Este apelo não foi ouvido por parte dos outros candidatos, no caso de António José Seguro até foi deturpado, portanto, eu não sou filho de um Deus menor, com toda a clareza e com toda a frontalidade, a minha candidatura vai até ao fim, porque o país precisa que ela vá até ao fim e porque eu acredito, pela energia que trago, por estas ganas que eu tenho de ser Presidente da República e por acreditar mesmo que posso ser Presidente da República, que o país precisa num momento histórico que vive, a minha candidatura vai mesmo até dia 18 de Janeiro.
Portanto, garante que, ao contrário do que disse antes, não vai desistir a favor de quem quer que seja?
Aquilo que disse na altura foi, julgo que logo no dia a seguir a ter apresentado a minha candidatura, que era evidente que no dia a seguir a apresentar a minha candidatura não me passava pela cabeça a desistência, não poderia ser de outro modo, como é que eu estava a apresentar uma candidatura e já estava a pensar em desistir? O que eu disse foi que, para sequer abrir essa discussão, era preciso que houvesse um número de condições mínimas que fossem observadas.
Já passou mais de uma semana, todos os outros candidatos à esquerda tiveram a oportunidade de se pronunciar sobre isso, nenhum deles mostrou essa abertura, eu assumi nesse momento esse espírito de responsabilidade, os outros não me quiseram acompanhar, portanto, eu, não sendo filho de um Deus menor, irei avançar até ao final com esta candidatura porque, repito, estou muito convencido que é aquela que o país precisa para o momento histórico que vive.
Na altura falou até de um pacto republicano, disse que se houvesse um alinhamento com esse pacto republicano isso seria possível.
O pacto republicano que eu proponho, aos portugueses e também aos outros candidatos, é um pacto para o país e espero bem que os outros candidatos possam associar-se a ele, porque este pacto diz respeito a muitas coisas, por exemplo, que são da responsabilidade exclusiva do Presidente da República, como as nomeações que faz para o Conselho de Estado. As nomeações para o Conselho de Estado são ou por inerência ou nomeadas pelos partidos políticos da Assembleia da República, e uma parte dessas nomeações também pelo Presidente da República.
Se os partidos políticos fizerem nomeações que não correspondem à diversidade, à pluralidade do país, eu, enquanto Presidente da República, irei fazer com que as minhas nomeações, com que as minhas cinco nomeações para o Conselho de Estado, assegurem essa pluralidade e essa diversidade e essa representatividade, portanto, espero bem que os outros candidatos tenham o mesmo compromisso.
Eu, quando falo do pacto republicano, é um pacto em defesa do regime, que passa por coisas, como por exemplo, esta clareza de defesa da Constituição contra eventuais tentativas de revisão drástica, apenas de um lado do espectro político.
Deixa-me só puxar aqui um bocadinho a fita atrás para lhe perguntar se, de facto, vai levar a candidatura até ao dia 18 de janeiro, mesmo que as sondagens sejam negativas. E, já agora, se não foi contactado por António José Seguro, Catarina Martins ou António Filipe?
Não surgiu nenhum contacto e da maneira mais clara e mais sintética que eu consigo dizer: a minha candidatura vai a votos no dia 18 de janeiro. Mesmo que as sondagens sejam negativas ou demasiado positivas para outros candidatos, a minha candidatura vai até ao final e vai a votos no dia 18 de janeiro.
Mas essa falta de convergência à esquerda não poderá contribuir para aumentar as hipóteses de André Ventura, por exemplo, passar à segunda volta?
Repare, esta eleição tem imensas pessoas indecisas e nestas centenas de mensagens que tenho respondido, há duas coisas que me são ditas com muita frequência: ou que finalmente há alguém em quem votar, porque essas pessoas não sabiam em quem votar, não tinham ninguém com quem se identificassem, ou que iam votar noutros candidatos. E, olhe, muitas pessoas dizem-me que iam votar em Henrique Gouveia e Melo e que agora vão votar em mim, portanto, eu acredito que a minha candidatura, na verdade, pode até a reforçar a esquerda, porque a minha candidatura quer somar, não quer dividir.
Eu quero ir falar às pessoas que estão desiludidas com o país, quero ir falar com o eleitorado que pensa, neste momento, em votar André Ventura, quero falar com essas pessoas diretamente, quero lhes dizer que percebo a sua desilusão, mas que eu amo Portugal, que sei que elas também amam Portugal, mas que amar Portugal não passa por querer apoiar aqueles que o detestam, na verdade. Portanto, eu a essas pessoas quero dizer-lhes, mas muito convictamente, que eu percebo a sua desilusão, que a sua desilusão passa por querer caras novas, passa por querer coisas feitas de maneiras diferentes e eu venho para fazer as coisas de maneira diferente, venho para ser menos do mesmo, venho para ser quem dá um bocadinho de esperança a essas pessoas que estão desiludidas, porque a esperança não tem que passar pelo ódio, este país que eu sei que existe, este Portugal que eu sei que existe, que é um Portugal da empatia, um Portugal de entreajuda, um Portugal da pluralidade, da diversidade, esse país é o país ao qual eu quero dar voz, e isso faz-se falando com todos.
Quero ir buscar votos também à direita, certamente à extrema-direita, a estas pessoas que estão muito desiludidas com aquilo que tem sido, pelo modo como os seus problemas não têm sido respondidos, a essas pessoas quero lhes dizer que eu percebo essa desilusão, mas que não deixem essa desilusão transformar-se em raiva, que se juntem a mim, que digam presentes comigo, porque este é um chamamento que o país nos está a fazer. O lema de campanha é "Presente", porque eu acho que é essencial nós dizermos presente ao país que chama por nós, e eu quero que essas pessoas possam dizer presente comigo e, por isso, não lhes vou virar as costas, não vou fazer com que elas sejam arredadas ou esquecidas, quero trazê-las para a minha campanha. Conheço bem o país, quero representar a diversidade, a coesão e, portanto, a minha candidatura também por aí é distintiva, e também por aí eu acredito que vai ser a grande surpresa da noite, porque eu venho mesmo para falar com essas pessoas todas, sem vergonha de lhes dizer o que sou, sem qualquer problema em assumir-me tal como sou, mas dizendo-lhes que há espaço para todos no nosso país, e que essa desilusão não deve nunca ser posta nas mãos de quem na verdade odeia o nosso país, porque eu amo Portugal, e é precisamente por este amor ao nosso país que eu quero que essas pessoas possam fazer esta campanha comigo.
Mas não me referindo apenas ao Livre, mas aos outros partidos de esquerda e olhando também para eleições passadas, não é óbvio que esta falta de convergência acabará por beneficiar a direita e até a extrema-direita, sobre a qual tem apontado vários riscos?
Essa pergunta deveria ser colocada aos outros candidatos, porque, repare, se houve candidato que esperou que pudesse surgir uma candidatura agregadora, fui eu. Fui o último candidato a apresentar a candidatura.
De quem foi a culpa?
Não interessa muito e, certamente, não interessará aos portugueses. O que eu quero dizer, e já o disse há pouco, é que isto não é repartição de finanças, não é que quem chega primeiro e tira a primeira senha é quem tem o direito de precedência e as outras pessoas ficam para trás. Não é assim. Quem se chegou à frente antes dos outros, quem não quis esperar por essa convergência, é que tem de explicar afinal porquê. Porque é que acha que a sua candidatura está mais bem colocada.
Está a referir-se, claramente, a António José Seguro.
O PS parece ter sido um pouco arrastado pelos factos. É claríssimo que o Partido Socialista não está com António José Seguro na sua totalidade, muito longe disso. É evidente que para muitos socialistas, militantes do Partido Socialista e apoiantes do Partido Socialista, António José Seguro não é a candidatura que eles gostariam que o partido apoiasse. E a essas pessoas eu também falo muito abertamente. Há uma candidatura da esquerda, de uma esquerda que não acha que está a ser colocada numa gaveta, de uma esquerda que não tem vergonha de o ser, de uma esquerda que é europeísta, que acredita no país, que ama o país, que eu represento.
E eu venho também falar para essas pessoas, porque sei que muitas dessas pessoas estão divididas no seu voto. Algumas delas provavelmente não iriam votar no António José Seguro, iriam votar em Henrique Gouveia e Melo. Eu digo a essas pessoas que há uma alternativa melhor, mais coerente e que, repito, que estará melhor colocada, com mais energia, com mais vontade, para ser Presidente da República, que é a minha. A essas pessoas faço um convite. Venham dizer presente a este chamamento que o país faz por nós.
Há pouco estava a dizer que ama o país, ao contrário de outros que o odeiam. Estava a referir-se diretamente a André Ventura e a Henrique Gouveia e Melo?
Estou-me a referir àqueles que falam do país sempre com uma certa aversão. Àqueles que, quando falam de Portugal, é para dizer que tudo está mal, que não se pode andar na rua, que as pessoas se detestam, que é só violência, que os familiares se odeiam mutuamente. Este não é o país que eu conheço. Eu ando na rua. Eu sou um cidadão como qualquer outro, eu ando em transportes públicos, eu falo com as pessoas. Eu não preciso de andar sempre com seguranças atrás de mim para poder andar na rua. Precisamente, por conhecer Portugal é que sei que há um outro Portugal muito distinto desse, que é o Portugal do qual eu falava há pouco. É um Portugal onde as pessoas discordam, onde amigos discordam, onde colegas de trabalho discordam, onde familiares discordam, mas no dia a seguir voltam a falar porque continuam a ser amigos, colegas ou familiares.
O João Cotrim de Figueiredo fala em "imaginar Portugal", a Catarina Martins fala em "reinventar Portugal". Legítimo. Eu penso que, na verdade, não precisamos de uma coisa nem de outra. Precisamos é de dar visibilidade ao Portugal que já existe e não nos deixarmos convencer, seja por estes outros candidatos, seja sobretudo por um algoritmo digital, das plataformas digitais muito viradas à extrema-direita, que nos tenta quase obrigar a convencer que o Portugal que nós amamos é um Portugal que se está a desfazer. Não é. Nós conseguimos muitas conquistas ao longo dos últimos 50 anos.
Estas conquistas não foram apenas dos partidos políticos, não foram apenas dos governos, foram conquistas das portuguesas e dos portugueses. Eu amo muito o Portugal que nós conseguimos construir nos últimos 50 anos, porque apesar dos problemas que tem, e é evidente que tem, e a eles eu quero dar resposta, o Portugal no qual nós vivemos hoje é um Portugal muito melhor do que aquele que tínhamos no passado. E é precisamente por isso que eu digo a essas portuguesas e esses portugueses, que estão desiludidos, que não desistam do país. Não desistam do país que eu sei que nós amamos e venham dizer presente, porque este chamamento é um chamamento forte ao qual nós temos uma de duas respostas: ou pelo ódio ao próprio país, como eu acho que há noutras candidaturas, ou pelo amor.
Se António José Seguro não passar à segunda volta, olhando aqui para o restante leque de candidatos, entre Henrique Gouveia e Melo ou Luís Marques Mendes, aceitaria apoiar um desses candidatos?
Estamos ainda muito longe desses cenários hipotéticos, não me vou alongar, a única coisa que posso dizer sobre isso é que, num cenário em que passe o candidato da extrema-direita, e eu acredito que ele não passará, mas num cenário em que passe, apoiarei qualquer candidato contra ele. É um candidato que, enquanto deputado, disse na primeira sessão legislativa na Assembleia da República, nesta atual legislatura, que queria acabar com a nossa república.
Portanto, é evidente que um Presidente da República não pode ser alguém que quer acabar com a própria república.
Em termos práticos, que meta traça como objetivo eleitoral? Ficar atrás de Catarina Martins e de António Filipe seria uma derrota?
Eu, embora seja engenheiro de formação, essas métricas interessam-me muito pouco. Aquilo que eu quero é falar diretamente aos portugueses e dizer-lhes que há uma esperança, dizer-lhes que não estão condenados a que as boas surpresas aconteçam apenas no estrangeiro.
Mas essa boa surpresa traduz-se em quê?
Essa boa surpresa traduz-se numa vitória. Essa boa surpresa traduz-se em coisas como aconteceram em Nova Iorque, em que um candidato que surgia com 1% das intenções de voto nas eleições internas do próprio Partido Democrata há meses, se tornou, à primeira volta, o Presidente da Câmara Municipal de Nova Iorque com mais de 50% dos votos. Traduz-se em coisas como as eleições nos Países Baixos de há umas semanas, o atual Primeiro-Ministro, que foi o vencedor nessas eleições, ter a mesma idade que eu próprio tenho, 38 anos. E eu vejo sempre com muita curiosidade os artigos de opinião, as crónicas aqui na rádio sobre estas candidaturas, sobre a surpresa, tudo aquilo que é ótimo, tudo aquilo que foi inesperado e que funcionou.
E aquilo que eu digo aos portugueses é que estas surpresas boas não podem acontecer apenas no estrangeiro. Elas podem acontecer também aqui e é precisamente por isso que eu venho para esta eleição, para ser a surpresa da noite e para ser esta luz de esperança que os portugueses procuram.
Já esteve na Comissão Europeia, pertenceu à direção do Livre de 2014 a 2020, agora está no Parlamento como deputado. Qual é o seu cargo de sonho na política?
Sou politizado desde muito jovem. Com 12 anos, que foi o meu grande despertar político, foi a luta do povo timorense pela sua libertação, fui sozinho num autocarro até Madrid numa manifestação, em frente à embaixada da Indonésia porque Portugal na altura não tinha laços diplomáticos com a Indonésia, não tínhamos embaixada em Portugal, a mais próxima era em Madrid.
Os meus pais deixaram-me fazer isso, os meus pais são muito politizados, são também militantes do Partido Socialista, deixaram-me ir, e aquilo marcou-me muito. Logo naquela altura fiz duas promessas: que queria muito fazer política, ia sempre querer fazer política na minha vida porque percebia que era pela política que conseguíamos dar melhor qualidade de vida às pessoas, e que nunca abdicaria dos meus princípios para fazer política. Também por isso, se calhar, cometi aquela loucura de querer criar um partido político do zero, como criámos o Livre em 2013, 2014. Desde criança que o meu cargo de sonho era ser político assim no abstrato, que era, no fundo, ser aquela pessoa que tem a honra de representar os seus concidadãos para melhorar as suas vidas.
Isto faz-se em qualquer lado, em qualquer cargo político, é tão nobre um Presidente da República como um presidente de junta, é tão nobre um deputado como alguém que está numa comissão que é deputado municipal. Aquilo que eu sempre quis como cargo de sonho na política foi, na verdade, ter a honra e o privilégio de poder representar os meus concidadãos. Não pensava propriamente em deputado europeu, se era ser presidente de Junta, aquilo que eu queria era mesmo ter esta responsabilidade. É evidente que ser Presidente da República traz uma responsabilidade acrescida, tenho perfeita noção disso, mas esses dois sentimentos que eu tinha em criança continuo a tê-los: não abdicar dos nossos princípios e querer trabalhar sempre em prol dos concidadãos e das pessoas que vivem no nosso país.
