A quase crítica de Montenegro a Albuquerque, a clareza (ou falta dela) na governabilidade e o choque fiscal que eletrocutou o debate
Os oito líderes dos partidos com assento parlamentar tiveram a última oportunidade em televisão para mostrar, em debate, aquilo que querem para o país, mas os esclarecimentos dados ficaram aquém do pretendido.
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Se, depois de ser acusado de trocar de opinião, Pedro Nuno Santos quis pôr as coisas em pratos limpos e esclareceu as condições em que viabilizará um governo da Aliança Democrática, Luís Montenegro mantém o tabu e não descortina nada sobre um eventual futuro em que seja o Partido Socialista a vencer as eleições. Um pouco mais claro, mas, ainda assim, não assertivo, esteve quando revelou que, no lugar de Miguel Albuquerque, não voltaria a candidatar-se ao cargo de presidente do Governo Regional da Madeira.
A Justiça foi um dos grandes temas em cima da mesa, assim como a Saúde, mas foi quando se falou de salários e impostos que "o choque fiscal" eletrocutou o debate - que ficaria ainda marcado por uma interrupção: um protesto pelo clima, protagonizado por jovens que gritaram palavras de ordem e atiraram tinta vermelha contra um vidro, mas que foram rapidamente removidos da sala.
Governabilidade
Para que ninguém o volte a acusar de dar o dito por não dito, Pedro Nuno Santos quis ser claro e expôs todos os cenários em que tenciona formar Governo: se ganhar com maioria absoluta; se tiver maioria parlamentar à esquerda, quer fique em primeiro ou em segundo lugar; se ganhar as eleições, mas o PSD não inviabilizar um governo socialista, mesmo que haja uma maioria paramentar de direita.
Pelo contrário, esclarece Pedro Nuno Santos, não governará se ficar em segundo lugar e houver uma maioria de direita. Aí, não apresentará nem votará a favor de uma moção de rejeição, sublinhou, repetindo a ideia que havia deixado no frente a frente com Luís Montenegro.
Sobre este assunto, o líder socialista acusou o presidente do PSD de ter sido "tudo menos claro" e desafiou-o a ter "respeito pelos portugueses" e assumir uma posição, em vez de se "esconder atrás de um biombo com medo de dizer o que vai fazer".
Mas Montenegro não respondeu ao desafio e manteve o tabu. O líder social-democrata limita-se a reiterar que está "focado em resolver os problemas" do país e das pessoas, focado unicamente num cenário de vitória e de maioria da direita.
Quem faz bandeira de ser claro sobre o tema é o líder da Iniciativa Liberal, que acusa Luís Montenegro de não o ser (assim como acusa Pedro Nuno Santos e André Ventura de não serem constantes). Rui Rocha sublinha que não viabilizará um governo minoritário do PS - mas sublinha também que já explicitou com quem não se entende numa eventual futura aliança (o Chega).
André Ventura tenta cortar o argumento de Rui Rocha defendendo "nenhuma maioria à direita" vai acontecer sem o contributo do Chega.
Quanto ao PCP, defende que "a estabilidade não advém da geometria", mas das propostas, referindo que em 2015 o que levou à formação da geringonça foram "os conteúdos". Também Mariana Mortágua insiste na formação de um Governo de esquerda e Rui Tavares diz que o Livre está à esquerda e, se houver maioria de esquerda, "será uma solução" e, se houver uma maioria de direita, "será oposição".
Já o PAN admite aliar-se tanto à esquerda como à direita - exceto se esta incluir o Chega na equação. Para Inês Sousa Real, para que o PAN embarque numa aliança, tem de haver "uma coligação no espetro democrático" e um "compromisso com as causas" que o partido defende.
Justiça e corrupção
Com os caminhos da Política e da Justiça a confundirem-se nos últimos meses, Luís Montenegro foi chamado a falar sobre o caso de suspeitas de corrupção que levou à demissão do presidente do Governo Regional na Madeira, Miguel Albuquerque. E, desta vez, o líder do PSD quase chegou a uma posição crítica da atuação do social-democrata madeirense... Sem chegar a, de facto, tomá-la.
Montenegro afirmou que, se estivesse no lugar de Albuquerque, "talvez tivesse uma decisão diferente" quanto a uma recandidatura à liderança do PSD Madeira e ao governo daquela região. A posição não chega a ser absoluta porque, na verdade, Luís Montenegro alega que, contudo, essa é uma decisão que não lhe cabe a ele e que respeitará seja qual for a que Miguel Albuquerque tomar.
Palavras que não foram suficientes tanto para Pedro Nuno Santos como para André Ventura. O líder do PS lembra que o PSD achou muito bem a demissão de António Costa quando seria este a estar envolvido numa operação por suspeitas de corrupção. Porém, no caso de Miguel Albuquerque, Pedro Nuno Santos nota "falta de frontalidade" e pede "coerência". Também o líder do Chega defende que não se pode defender a demissão de António Costa e não o fazer com Miguel Albuquerque. "Isso é o pior que podemos fazer ao país, dizer que há boa e má corrupção."
O líder da AD defendeu-se, alegando que não pediu a demissão de António Costa, tendo falado já depois da demissão e afirmando que esta devia por "incapacidade" do Governo, que somava sucessivas baixas.
Luís Montenegro considerou que a Política não tem influenciado a Justiça, nem vice-versa, como é "desejável". Já Pedro Nuno Santos considera que "não é irrelevante" que, nos últimos meses, tenham caído dois governos em Portugal, por consequência de operações judiciais.
"Não podemos fazer de conta que não aconteceu nada. Obviamente que nos obriga a olhar para a reforma da Justiça", defendeu o líder do PS. Declarações que o presidente do Chega viu como uma "tentativa de silenciar a Justiça". "A preocupação é criar uma mordaça qualquer ao Ministério Público", atirou.
Pela Iniciativa Liberal, Rui Rocha referiu que as "decisões provisórias" não podem servir para atacar a Justiça e, sobre a Madeira, defendeu também que Miguel Albuquerque não tem condições para continuar. Rui Tavares, do Livre, lembra que corrupção é “descrédito das instituições” e que na Madeira "há excesso de familiaridade entre poder político e económico".
Quanto a Mariana Mortágua considera que o Ministério Público (MP) deve prestar esclarecimentos sempre que as investigações envolvam a vida política e defende uma aceleração no desenvolvimento dos processos.
Paulo Raimundo, do PCP, acredita que as custas judiciais, que afastam os portugueses dos tribunais, e a falta de meios e recursos é que são os grandes problemas da Justiça no país. Inês Sousa Real acusa os partidos do centro político de chumbarem medidas que o partido propôs para o "reforço de meios" para o combate e frisa que, no que à Madeira diz respeito, foi o PAN quem exigiu a saída de Miguel Albuquerque para continuar a dar apoio àquele governo regional.
Salários vs. Impostos
A divisão mais clara entre os dois - ou três - blocos na corrida a estas eleições ficou em destaque quando os rendimentos foram o tema em cima da mesa. Pedro Nuno Santos arrancou com uma espécie de mea culpa sobre aquilo que o PS ainda não conseguiu atingir em termos de recuperação salarial na função pública. "Infelizmente", admitiu, ainda não conseguiu atingir um patamar que permita aos trabalhadores do Estado sentirem-se valorizados e motivados - na Saúde, na Educação, nas Forças de Segurança...
Mas a resposta, sublinha o líder socialista, não passa pelo "choque fiscal" - que defendeu Rui Rocha, da Iniciativa Liberal -, mas, sim, por um "choque salarial" - que, ressalva, tem de acontecer "sempre dentro das capacidades do Estado".
André Ventura ironiza que Pedro Nuno Santos se mostra incomodado com a expressão "choque fiscal", mas que o país já está vive um choque fiscal "que o PS lhe deu".
Já Luís Montenegro, lembrando um outro alguém, diz que é "otimista" e aponta "uma trajetória de crescimento" que atinja os 3,4 ou 3,5% em 2028 - muito graças à redução do IRC, que, alega, vai permitir recuperar terreno em relação a outros países.
Mariana Mortágua critica. Para a coordenadora do Bloco de Esquerda, a baixa do IRC beneficia sobretudo as grandes empresas e a direita quer fazer descer os impostos dirigidos às empresas "para concentrar a riqueza e não para produzir mais riqueza". Mortágua alega que o histórico do país mostra que, quando apenas se baixa o IRC, só há uma economia de baixos salários e de baixa produtividade. Quanto ao líder da CDU, refere que o problema está na "brutal injustiça" da "riqueza mal distribuída" em Portugal. Paulo Raimundo defende aumentos salariais e o fim dos benefícios fiscais para as macroempresas.
Pelo PAN, Inês Sousa Real propõe a revisão dos escalões do IRS e alongamento do IRS Jovem em mais dois anos, além de um salário mínimo de 1100 euros até ao final da próxima legislatura. O Livre pede mais: um salário mínimo de 1150 euros em 2025 - já que o choque fiscal não sobre salários, aponta.
Saúde
Na Saúde, o líder do PS falou no trabalho iniciado com os médicos para a valorização salarial e afirmou que este deve continuar e ser também estendido a todos os outros profissionais do setor. Outra tarefa importante, nota, é melhorar o Serviço Nacional de Saúde (SNS) ao nível organizacional.
"O caminho só não passa pelo desvio de recursos do SNS para os privados", insistiu o secretário-geral socialista, que considera que há que continuar a reforma do SNS iniciada pelo último Executivo.
André Ventura volta aos ataques a Pedro Nuno, considerando que "lhe fica muito mal" falar de problemas na saúde, acusando de pertencer ao Governo "criou a bagunça". Mas Luís Montenegro concorda com Pedro Nuno Santos que é "preciso salvar o SNS", embora considere que "há muita capacidade instalada no setor social e privado" que pode resolver os problemas.
Rui Rocha sublinha a visão da Iniciativa Liberal para a Saúde, propondo que todos os portugueses tenham acesso a um sistema idêntico ao da ADSE dos funcionários públicos, que se recorra aos privados para garantir a existência de médicos de família e que se crie um sistema de valorização das carreiras do setor com base no mérito.
A esquerda une-se nesta matéria, com Mariana Mortágua a pedir recursos para reter os profissionais no SNS", em vez de "manter uma guerra aberta" com eles. A coordenadora do Bloco de Esquerda sublinha que "o SNS é a resposta", mas que ela tem de ser alargada - com mais recursos, capacidade e autonomia, dando-lhe mais condições para funcionar.
Também para o PCP, o SNS "é o único que está em condições de responder às necessidades da população", com Paulo Raimundo a acusar a direita de querer acabar com o que falta dele.
Rui Tavares, do Livre, acredita que um programa "Regressar Saúde" pode trazer os profissionais que se formaram em Portugal e emigraram, mas também recuperar profissionais do privado que queiram integrar o setor público. E Inês Sousa Real trouxe ao debate a questão da saúde animal que, lamenta a líder do PAN que continue a ser encarada como "um bem de luxo com IVA a 23%".