"Absurdo." Advogados dizem não haver qualquer crime na divulgação de novos dados da Spinumviva
Francisco Teixeira da Mota e Carlos Melo Alves não veem indícios de ilícito criminal
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Os dois advogados consultados pela TSF partilham da mesma opinião: não encontram qualquer tipo de crime, nem por parte de quem passou a informação, nem pelos jornalistas do semanário Expresso que fizeram notícia com os dados. Francisco Teixeira da Mota acredita que não se coloca o direito ao sigilo na empresa familiar de Luís Montenegro, Spinumviva. Carlos Melo Alves considera que na informação divulgada por Luís Montenegro não consta a descrição pormenorizada do trabalho desenvolvido pela Spinumviva.
A tese dos penalistas contactados pela TSF contraria as declarações do líder parlamentar do PSD, Hugo Soares, que levantou a hipótese de estar em causa um crime com a divulgação pública das informações sobre a Spinumviva, entregues por Luís Montenegro à Entidade para a Transparência, a poucas horas do debate com Pedro Nuno Santos.
Francisco Teixeira da Mota diz ser "duvidoso" que exista um crime na divulgação dos dados transmitidos pelo primeiro-ministro esta semana, uma vez que o documento apenas contempla "os clientes de uma empresa, não é um escritório de advogados, por isso não existe qualquer tipo de sigilo profissional".
O especialista em questões de liberdade de imprensa sublinha que "perante esta informação com os clientes de uma empresa que deu origem à queda de um Governo, que deu origem a uma moção de censura, que deu origem a um inquérito parlamentar, que deu origem às alterações todas que o primeiro-ministro se vê obrigado a fazer nessa mesma empresa, e numa altura em que estamos em campanha eleitoral, o jornalista, se não divulgasse essa informação, estava a comportar-se mesmo muito mal como jornalista. Os cidadãos eleitores seriam altamente prejudicados se essa informação não fosse divulgada", defende.
Teixeira da Mota considera ainda ser "um absurdo" as declarações de Hugo Carneiro. O deputado do PSD pediu ao Grupo de Trabalho do Registo de Interesses no Parlamento que peça à Entidade para a Transparência os registos de quem acedeu aos dados sobre o primeiro-ministro, de forma a descobrir quem partilhou a informação com a imprensa.
O deputado apelou também ao Ministério Público para agir, sugerindo que se consultem os registos telefónicos dos deputados que tiveram acesso à informação, bem como do jornalista que escreveu a notícia sobre o assunto.
Francisco Teixeira da Mota deixa duras criticas a Hugo Carneiro. "Eu não conheço o deputado em causa, não faço ideia que conhecimentos, experiência e cultura que ele tem. O que é que ele sabe da Constituição? O que é que ele sabe da liberdade de expressão? O que é que ele sabe do que é uma sociedade democrática do tipo liberal ocidental, como a nossa?", questiona.
"Eu espero que o Ministério Público tenha o bom senso, e creio que sim, de nem sequer abrir processo nenhum. Não são permitidas sequer escutas telefónicas tendo em conta o crime de quebra de sigilo que poderia estar em causa".
O advogado desvaloriza também a dúvida se seria apenas possível consultar a nova declaração de Luis Montenegro 30 dias depois de ter sido entregue pelo primeiro-ministro. Teixeira da Mota reconhece, no entanto, que a lei pode gerar várias interpretações.
Da mesma opinião é o advogado Carlos Melo Alves considera não haver crime a divulgação dos dados entregues esta semana pelo primeiro-ministro à Entidade para a Transparência.
"Se nós entendermos que aquilo que se está a passar é apenas a divulgação dos clientes, ou seja, que existe uma relação contratual entre um advogado e o seu cliente, na minha opinião, isso não cai no âmbito do sigilo profissional. Outra coisa bem diferente é revelar o conteúdo dessa relação com os clientes. Se porventura o conteúdo dessa relação for relevante, então aí já cai dentro do sigilo", explica à TSF o especialista em direito penal.
Carlos Melo Alves não vê também qualquer ilegalidade na conduta do jornalista que divulgou as informações entregues à Entidade para a Transparência: "Mesmo que fosse crime, ou seja, a divulgação dessa informação por parte de alguém que a retirou da entidade para a transparência, o jornalista, na minha opinião, não comete nenhum crime, uma vez que essa informação assume uma enorme relevância social e o interesse para a comunidade e, portanto, sobrepõe-se, neste caso concreto, ao interesse que é defendido pelo profissional."
O advogado sublinha ainda que não é possível aceder aos registos telefónicos dos deputados e do jornalista em causa, como foi sugerido pelo deputado do PSD Hugo Carneiro.
"Nos termos da lei, isso não é legal. Ou seja, um juiz, na minha opinião, não pode autorizar o acesso à faturação detalhada, uma vez que o crime que aqui está em causa, ainda que se colocasse a hipótese de estarmos face a um crime, não admitia a invasão da privacidade, que era o pedido dessa faturação detalhada. Nos termos da lei, não é possível aceder à faturação detalhada, estando em causa o crime de sigilo profissional", conclui.
