Aguiar-Branco defende audição prévia do novo PGR: "Pedagogia não se faz com pessoas caladas"
Na Grande Entrevista TSF-JN, o Presidente da Assembleia da República mostra-se favorável à audição prévia de quem suceder à Procuradora-Geral da República Lucília Gago e defende idas regulares ao Parlamento.
Corpo do artigo
José Pedro Aguiar-Branco é advogado, presidente da Assembleia da República desde março, depois de uma invulgar eleição em quatro rondas. O percurso político na família Nacional Democrata começa aos 17 anos, depois de ouvir Sá Carneiro, passa por uma candidatura à liderança do PSD, pelas pastas da Justiça e da Defesa. É agora a segunda figura do Estado.
Existe algum o receio da classe política de ser acusada de interferência na justiça por eventuais críticas?
Acho que hoje em dia, num mundo de comunicação, muitas vezes uma situação de não explicação, factos e de situações que estão no espaço público, que provocam naturais e situações, muitas vezes, de juízos de suspensão que são infundados, o silêncio é pior do que a clarificação. Aliás, a prova disso foi que a própria senhora Procuradora entendeu depois dar uma entrevista onde falou, estou convencido, de forma que muitos senhores jornalistas não estariam convencidos de que iria falar, depois de tanto silêncio e de tanto cuidado em relação a factos relacionados com processos que estão pendentes. Ou seja, é muito diferente nós estarmos a falar sobre situações que estão em segredo de justiça, que estão em segredo de investigação e, como é óbvio, isso não deve, de forma alguma, ser falado, e a senhora procuradora não falou, nem outros procuradores do passado falaram, e com casos complicados, como no tempo do procurador Souto Moura, que era o caso da PIA que estava em cima da mesa. A destrinça entre o que são factos sujeitos a segredo, que não devem ser falados, e factos que podem ser clarificadores relativamente a retirar do espaço público juízos de suspeição é importante, e a oportunidade, o momento em que se faz também é, porque uma coisa é fazer-se numa fase onde não deixa evoluir um determinado juízo, uma determinada perceção e, portanto, corta de raiz qualquer ideia descabida que se faça entre cumplicidades que não são existentes, ou, como se costuma dizer, “já a Inês é morta” e toda a gente formulou o seu juízo de valor e é mais difícil fazer a reparação desses juízos. Portanto, a minha observação foi, um, devia, deve comunicar, deve clarificar, deve esclarecer naquilo que não toque com processos pendentes, mas que está no espaço público como polémica, eu digo sim. O local, eu acho, e isso referi também, que a Assembleia da República é um local, diria, por excelência, onde a dimensão institucional se deve fazer ainda de forma mais sublimar.
E quem se seguir no cargo de procurador-geral da República deve ser ouvido previamente no Parlamento? Deve existir uma audição prévia?
Eu acho que era saudável. Eu sou favorável a que haja esse espaço de poder haver essas audiências, porque muitas vezes até são injustos os juízos que se fazem em relação a uma pessoa ou a uma determinada função, porque eles resultam ou do desconhecimento ou de menor compreensão da forma como as coisas têm de acontecer. Todos nós temos metodologias, deontologias e espaços diferentes. Quando isso não era tão, digamos, objeto de mediatização, os mundos iam convivendo, eu como advogado sei muito bem, ou muito melhor do que um cidadão normal, que a constituição de arguido é uma coisa positiva para a defesa de cada um de nós, se estiver numa situação dessas. Mas no espaço público, o conceito é arguido, logo já é culpado, fez qualquer coisa. Se nós podemos ter uma pedagogia permanente no que diz respeito à melhor compreensão disto, é evidente que estamos a trabalhar para um melhor exercício cívico. Mas não se faz isso com pessoas caladas. Não se faz isso com pessoas que não tenham capacidade de comunicação. Hoje tem de ser uma competência de quem está em cargos que se expõe publicamente. A capacidade de comunicar e a capacidade de poder transmitir bem no espaço público elimina muitas suspeitas de promiscuidade que não têm razão de ser.
Isso implicaria, por exemplo, tornar obrigatória a ida mais assídua de certo tipo de órgãos, nomeadamente a Procuradoria, ao Parlamento?
Também vejo como um sinal positivo, periodicamente, isso acontecer. A Procuradoria não é um órgão de soberania. Isso é importante, porque às vezes há uma confusão no espaço público, achar-se que ser o procurador-geral é a mesma coisa que ser o presidente do Supremo Tribunal de Justiça. Não é. Vejo com naturalidade que possa haver uma interação que ajude à melhor compreensão, a haver canais de comunicação que favoreçam melhor a interação de tudo que é importante para os cidadãos, eu acho que isso é bom. Não é para prestar contas no sentido de responder perante o Parlamento, o quadro é um quadro diferente, é um quadro em que os representantes podem colocar estas perguntas, “porque é que acontece aquilo, porque é que não aconteceu”, perceber qual é a política criminal que deseja seguir, porque é que houve alteração disto, acho que é natural, é muito saudável e será muito clarificador e pacificador. E, portanto, tudo o que seja favorável a haver mais comunicação numa sociedade que hoje vive desta comunicação, acho que é favorável.
Considera que existe uma campanha orquestrada contra o Ministério Público, como disse Lucília Gago?
Eu acho que não… se existe, eu não sou parte dela, portanto, acho que nós devemos conviver com a diferença, conviver com a crítica, conviver com quem pensa diferente de nós, é um exercício maior da democracia. Nós dizemos sempre isto, mas a verdade é que qualquer um de nós, como é óbvio, testa a sua cultura democrática quando está numa posição, em que alguém está a dizer que o que está a fazer é errado, “o que está a fazer não está certo, devia fazer por ali e até errou aqui”, e nós temos a capacidade de aceitar essa crítica, essa diferença e ver isso como um exercício maior da democracia. O momento de democracia maior é eu aceitar essa diferença, contraditá-la e, por isso, não estar a ver sempre, diria, teorias de conspiração em tudo.
Foi ministro da Justiça há cerca de 20 anos, provavelmente se tivéssemos feito essa entrevista nessa altura estaríamos aqui a elencar os mesmos problemas e os mesmos estrangulamentos na Justiça. Porque é que parece inevitável que passemos sempre o tempo a falar dos mesmos problemas e que não exista o pacto que o Presidente falou, uma reforma que muitos defendem, por que é que não se avança?
Pois, tem razão. Portugal tem algumas coisas dessas, o aeroporto também demora muito tempo para decidir. Eu há 20 anos também lancei essa ideia, acho que a liderança política é muito importante para o efeito, mas também acho que é preciso ter uma visão integrada, é preciso convocar não só os partidos políticos, mas também os operadores judiciários, nomeadamente procuradoria, advogados e magistrados judiciais e acho que é muito importante o alto magistério do Presidente da República. Porque ele permite colocar algumas situações acima da mera lógica interpartidária, que é legítima, mas permite também de exercer uma influência positiva nos outros operadores. E ter uma figura equidistante com a Presidência da República a dar o seu alto patrocínio para o efeito é importante. E falo-lhe por experiência própria porque quando eu fui Ministro da Justiça, beneficiei da colaboração a esse nível do então Presidente Jorge Sampaio, com atos que, sendo simbólicos, foram muito marcantes, como, por exemplo, ter ido à tomada de posse da primeira diretora do Centro de Estudos Judiciários, que não era magistrada. Foi uma situação, à época, com alguma tensão, polémica, porque era sempre um procurador da República, ou um magistrado que fazia a orientação da formação dos magistrados, e aquilo foi um romper com o que era a cultura até então. E o Presidente da República foi à tomada de posse para marcar que a Presidência da República via aquilo com bons olhos. Isto ajuda a criar uma atmosfera de se perceber que não é o Partido A, nem o Partido B, é uma dimensão de Estado. Ora, eu acho que essa parte tem faltado, é sempre muito interpartidário, e esse consenso, que não é um consenso para não fazer nada, é um consenso para se conseguir avançar, acho que é a parte que tem faltado.
O Presidente da República já tentou até apelar a um pacto, tem de haver atos mais concretos?
Acho que primeiro é preciso definir bem uma agenda. Essa agenda tem de estar bem clara. Todos sabemos que não é possível fazer isso num ano ou num dois. Há coisas que podem ser feitas num ano, há outras que podem ser feitas em dois, mas é bom ter uma visão estratégica e uma visão enquadradora do que se vai fazendo Acho que é importante estar para lá da circunstância de dois ou três partidos. Aliás, também aconselharia haver uma espécie de estrutura de missão que pudesse depois ser a redatora de muito do que se diga. Eu na altura convidei o Dr. Miguel Galvão Teles, que era um jurista muito qualificado (completamente longe das opções políticas do ministro), que aceitou, produziu trabalho e ajudou precisamente a esbater as diferenças ideológicas homenais. Não há muita diferença ideológica na Justiça, há mais diferenças partidárias.
Onde é que ficam as suas ambições políticas no dia em que deixar este cargo? Podem, eventualmente, passar pela Presidência da República?
Eu, quando estou num exercício de uma função, estou focado nela. Nunca penso noutras coisas. Sou advogado de profissão. Em 2019 regressei à advocacia. Posso regressar à advocacia. Ou seja, neste momento quero exercer com a máxima focagem no que estou a fazer. Gosto muito do que estou a fazer. Às vezes muitas pessoas me perguntam: “mas aquilo não é uma coisa... Coitado, tem paciência. Vê lá. Olha que penso muito em ti.” Mas não, eu estou feliz, estou a fazer uma coisa que gosto, acho que estou a contribuir para que a dignidade da Assembleia da República se coloque no patamar onde eu acho que deve estar e que acho que é convergente com muito do que os portugueses pensam. Eu sei que há estudos que também não colocam a Assembleia da República no melhor dos rankings, A minha satisfação será se, quando eu sair, o ranking da Assembleia da República tiver subindo uns furos e que os portugueses se sintam mais orgulhosos da Assembleia da República. É nisso que eu estou focado, é nisso que trabalho. Quem me conhece bem sabe que quando eu estou focado numa coisa é nessa que aplico as minhas capacidades e as minhas competências.
