Alargar confisco de bens "pode ser inconstitucional": o que dizem os especialistas sobre as medidas anticorrupção
A agenda de combate à corrupção, apresentada pelo Governo, subiu a debate no Fórum TSF
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O Governo aprovou, na quinta-feira, em Conselho de Ministros, um pacote de medidas de combate à corrupção. No Fórum TSF, Margarida Mano, presidente da Associação Cívica, Transparência e Integridade, considera que ainda é cedo para uma avaliação sobre a agenda anticorrupção e sublinha que se trata ainda de um conjunto de intenções.
"A questão é como é que isto vai ser feito. Nós temos seis meses até ao final do ano, de alguma forma, para elaborar e, portanto, diria que é absolutamente essencial que esta avaliação seja feita, auscultando e ouvindo aquilo que é a sociedade. A sociedade está preocupada com este tema. Na semana passada, a Procuradoria Europeia apresentou um relatório sobre as atividades de 2023 e os dados sobre Portugal são preocupantes", explica à TSF Margarida Mano.
No caso da decisão de alargar o confisco de bens, mesmo que não exista uma condenação em Portugal, Margarida Mano defende que há dúvidas constitucionais. "Enquanto intenção pensamos que é, no fundo, uma intenção de risco e, portanto, ficamos a aguardar para compreender exatamente o que está em causa. Aquilo que nos parece, digamos numa primeira leitura, é que podem levantar-se problemas de constitucionalidade", afirma.
Ouvido também no Fórum TSF, António Ventinhas, ex-presidente do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público e que faz agora parte do Sindicato do Grupo de Estudos da Corrupção, lembra que este princípio do confisco de bens já existe na lei. Para António Ventinhas, falta perceber se esta e as outras medidas são eficazes.
"Todas estas medidas têm de ser devidamente ponderadas. É positivo, mas depois, em termos concretos, temos de efetivamente ver em que isto se irá materializar, porque já vi muitos anúncios de pacotes anticorrupção que depois acabaram por não ter grande eficácia prática", considera.
António Ventinhas questiona ainda o impacto na luta contra a corrupção no Orçamento do Estado. "Medidas no papel ficam bem, mas depois executá-las e alocar verbas é muito mais complicado. Neste momento também é preciso percebermos o pano de fundo em que nos encontramos. Estamos a falar de medidas legislativas, mas também temos de falar de medidas materiais. E, neste momento, há departamentos de combate à corrupção que estão a funcionar a meio gás porque não têm funcionários judiciais, há processos que estão parados e não andam mais rápido porque não há funcionários judiciais para cumprir. Há um grande défice de funcionários judiciais", sublinha.
Já para o presidente do Sindicato dos Funcionários Judiciais, a agenda de combate à corrupção não prevê um ponto que António Marçal considera ser fundamental: agravar as penas dos casos mais graves.
"Não se prevê algo que eu acho que é fundamental: uma agravação das penas para os crimes de corrupção, principalmente aqueles mais graves. Subscrevo a posição do doutor Manuel Ramos Soares quando diz que aquilo que mais faz temer os agentes corruptores é o medo de irem para a prisão e irem para a prisão em tempo útil", disse, também em declarações no Fórum TSF.
Ainda no Fórum TSF, o advogado António Garcia Pereira sublinha que não há coisa pior no combate à corrupção do que apostar na ideia de que vale tudo.
"Não há coisa pior no combate a um fenómeno como o da corrupção, que não seja, por um lado, a demagogia e, por outro lado, o justicialismo assente numa lógica de que os fins legítimos, como o fim do combate à corrupção, justificariam todos os meios, porque a certa altura isso transforma os combatentes do fenómeno contra os autores desse tipo de práticas criminosas em iguais àqueles que eles dizem combater. Já temos suficientes experiências, não apenas no nosso país, como fora dele, para vermos que isso não é um caminho correto", assegura.
Sobre a ideia de confiscar bens antes de uma condenação, António Garcia Pereira fala numa "barbaridade inconstitucional". "Não posso só propriamente ser acusado de ser um defensor entusiástico da propriedade privada, mas permitir-se que, mesmo que o processo criminal não tenha terminado por uma condenação, possa ser ordenado a apreensão de bens se o tribunal, em função dos elementos que estão no processo, se convencer que a origem daqueles bens é ilícita... Como é que isto é possível num Estado de direito democrático, determinar-se a apreensão de bens com base num processo em que a pessoa não foi condenada?", questiona.
Já o presidente do Sindicato dos Oficiais de Justiça desvaloriza e critica o anúncio do Governo. "O combate à corrupção é algo que, de facto, importa a todos e a todos diz respeito, mas este programa que aqui é apresentado, daquilo que, pelo menos, diz respeito à carreira dos Oficiais de Justiça é mais anunciar coisa nenhuma, porque depois as medidas em concreto não se avança", acrescenta.
