Alguém "deixou bonito" para outro "deixar morrer" e a defesa da continuação: Setúbal vai a votos com três ex-autarcas da CDU nas listas
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Liderada pela CDU há mais de 20 anos, a Câmara Municipal de Setúbal tem nestas autárquicas três ex-presidentes da autarquia nas listas eleitorais. O atual presidente, André Martins, quer ser reeleito uma segunda vez, mas a candidata independente apoiada pelo PSD, Maria das Dores Meira, já cumpriu três mandatos consecutivos na autarquia e quer Setúbal de Volta. Do lado do PS, Fernando José tem um mandatário afastado da presidência pelo PCP e quer Mudar Setúbal.
No Mercado do Livramento, em Setúbal, as cores são variadas e as bancas também. Há peixe, marisco, frutas e vegetais e muitos setubalenses às compras.
De sacos na mão está Edite. Mora em Setúbal há 40 anos e queixa-se da falta de limpeza à manutenção dos espaços públicos. “Os arruamentos das ruas estão péssimas, cheias de buracos. Há falta de limpeza nas ruas, principalmente no bairro onde eu moro. A rua onde nós moramos é só buracos. Eu já fiz não sei quantas reclamações, mas é o mesmo, está calada. Sobre a falta de limpeza, este presidente que está atualmente — eu posso falar assim porque é a verdade — tem deixado andar a outra presidente que esteve cá, Dores Meira, pôs a cidade muito bonita. É verdade, a verdade tem de se dizer. E tudo o que ela deixou bonito, ele tem tentado deixar morrer e, então, para mim, ele já era”, explica.
Questionada sobre se gostava então de ver uma mulher na presidência da autarquia, Edite responde afirmativamente, reforçando que foi durante a liderança de Dores Meira que a cidade de Setúbal ficou "mais limpa e mais bonita". "Fez muitas coisas para embelezar a cidade, para atrair o turismo”, completa.
A trabalhar, atrás de uma banca, está Fernando Ricardo. Vive em Setúbal há 30 e muitos anos. É também para ele prioritário que haja uma manutenção mais eficaz da via pública.
“Principalmente as estradas, estão insustentáveis. Tem buracos por todo lado. O pavimento precisava ser mesmo arranjado a nível geral, não é pontual, é geral. Porque uma pessoa a conduzir tem de andar a fazer uma condução errada ou desviar-se do buraco e faz-se uma condução muito irregular. Isso é bastante mau. Para mim é o ponto número um”, diz.
A habitação também é uma preocupação para Fernando Ricardo:
A malta nova quer fazer a vida, quer sair de casa dos pais, não consegue. É insustentável. Poderiam arranjar habitação social, arranjar mais um bairro e serem concedidas essas habitações. As pessoas inscreviam-se, via-se as condições de cada um, a nível económico e depois uma renda justa. Uma renda justa para as pessoas poderem viver, poderem organizar a vida. Porque a malta nova não consegue. Eu tenho dois filhos e está difícil.
CDU
A cerca de 500 metros do mercado está a Câmara Municipal de Setúbal, liderada pela CDU há mais de 20 anos. No primeiro mandato, como presidente da autarquia, está André Martins, militante do Partido Ecologista aos Verdes e eleito pela CDU em 2021. Desce as escadas e senta-se num café na Praça do Bocaje para falar com a TSF.
Questionado sobre os destaques da sua recandidatura, assume que quer "continuar o trabalho" desenvolvido há 23 anos na Câmara Municipal de Setúbal, argumentando que "todos os candidatos da CDU para estas eleições se sentem muito orgulhosos" do legado deixado "em benefício da qualidade de vida e do bem-estar" das populações
"Neste mandato temos um investimento público global de cerca de 200 milhões de euros. Isto significa o maior investimento de sempre em Setúbal. E, por isso, temos todas as razões para continuar a trabalhar com muita confiança, com provas dadas da capacidade do nosso trabalho, da realização e, portanto, sempre na perspetiva de um futuro melhor para Setúbal, para as nossas populações", sublinha.
André Martins, atual incumbente, enfrenta em duas candidaturas diferentes dois ex-presidentes da Câmara eleitos pela CDU. Entre eles está Maria das Dores Meira, que teve o atual presidente como vice-presidente. Entretanto, a candidata desfiliou-se do PCP e apresenta-se agora como independente apoiada pelo PSD.
PSD
Maria das Dores Meira quer trazer Setúbal de Volta e promete o trabalho que os setubalenses já conhecem depois de ter cumprido três mandatos consecutivos como presidente entre 2006 e 2021. “No topo das nossas grandes preocupações está a estagnação que este concelho sofreu nestes últimos anos. Nessa estagnação é sentido com muita, muita força a falta de limpeza, o abandono a que a cidade foi votada, a desorganização que está na cidade e o cuidado que eu tinha, por exemplo, no alinhamento, no cuidado dos espaços verdes, no cuidado do espaço que é todo ele público e de repente caiu que nem baralho de cartas", denuncia.
A 30 dias das eleições, Maria das Dores Meira viu uma auditoria às contas dos anos em que liderava a autarquia ser enviada à PJ. O jornal Público avança que a partir de documentos fornecidos pela câmara municipal, os investigadores da polícia judiciária concluíram que a candidata independente apoiada pelo PSD recebeu 35 mil euros em ajudas de custo por percorrer 1000km.
Maria das Dores Meira questiona o porquê de as contas do atual executivo não terem sido auditadas como estava previsto no caderno de encargos e fala em perseguição política. “Não gastei um tostão à câmara municipal. O que é certo é que o executivo da CDU pede a auditoria — se calhar estava a demorar muito tempo, não sei — e dava jeito que a 30 dias das eleições a auditoria parasse exatamente em 2021, quando eu saí. E, portanto, já não foi feita a auditoria ao executivo atual”, sustenta.
Estamos perante um dolo, há intenção de prejudicar. Continua a perseguição, continua a mentira. Eu digo que é um conluio, uma perseguição política.
PS
Mas há um outro ex-militante do PCP e ex-presidente da Câmara de Setúbal, eleito pela CDU, na corrida. É Carlos Sousa, o mandatário da candidatura do PS, liderada por Fernando José. O socialista quer Mudar Setúbal e identifica como um dos problemas da cidade a habitação.
“Desde que o Partido Socialista saiu da Câmara Municipal de Setúbal, há mais de 25 anos, em Setúbal não foi construída uma única habitação pública, um único fogo de habitação pública. E, portanto, é preciso dar resposta a este problema que afeta não só as classes mais desfavorecidas, em termos de renda apoiada, mas também os jovens e a nossa classe média, em termos de renda acessível. É por isso que propomos a constituição de uma empresa municipal para cuidar da habitação pública, mas também para avançar na construção da habitação pública”, diz.
Com várias medidas, onde se incluem também um passe social gratuito e a construção de novos equipamentos culturais e desportivos no concelho, Fernando José considera que Setúbal parou no tempo e recandidata-se depois de, nas últimas autárquicas, o emblema socialista ter ficado a três mil votos da eleição.
Chega
Quem é novo na corrida à presidência da autarquia sadina é António Cachaço. Substitui Lina Lopes como primeira da lista do Chega para Setúbal, depois de a antiga deputada do PSD ter desistido da corrida com a justificação de que, contra ela, tinha sido criada uma campanha difamatória.
Após o Chega ter saído vitorioso das legislativas em Setúbal, António Cachaço diz que a desistência da cabeça de lista anunciada em agosto não vai afetar a candidatura às autárquicas. "A desistência da Lina Lopes não afeta porque eu era o número dois já desde o princípio. Continuamos com o projeto, a ideia foi haver uma continuação, continuamos a fazer toda a mesma campanha, a mesma linha política, com algumas alterações porque somos pessoas diferentes, como é lógico, mas a linha é o ADN do Chega", garante.
Entre as prioridades está a habitação: “Queremos incentivar os jovens a ficarem em Setúbal, temos duas medidas que incentivam isso mesmo: a redução do IMI para jovens que compram a primeira habitação em Setúbal, incentivos fiscais e bonificações também, de modo a que os jovens permaneçam em Setúbal, e vamos querer requalificar todo o edificado municipal, que está muito perdido pela cidade — queremos identificar e perceber quem está a morar, quem são, onde é que estão, se pagam, se não pagam, por que é que não pagam e os que não pagam têm que começar a pagar. Porque toda a gente paga a casa, portanto, o edificado municipal também tem de ser pago”, acrescenta António Cachaço.
Bairro Afonso Costa
A três quilómetros da Praça do Bocage, para os lados do Hospital de São Bernardo, fica o bairro Afonso Costa. A presidente da associação de moradores do bairro, Maria Georgeta e o irmão, José Ribeiro, já moravam naquele local quando se chamava Bairro Carmona. Agora, vivem em apartamentos camarários, com telhados de amianto, que apelidam de "barraca", pelas más condições. As casas onde moram vão ser alvo de obras de requalificação. “Vão começar pelo telhado, o essencial é o telhado, porque isto é cancerígeno e já devia ter sido arranjado há muitos anos já”, explica José Ribeiro.
Maria Georgeta também critica: “Eu não sei se foi isso que mandaram fazer, se há alguma coisa que o empreiteiro desviou, se não desviou, não sei de nada. Só sei que é assim: se fizer um bocadinho de barulho nestas casas, mesmo com um sapato normal, parece que o teto vai todo ao chão. Porque é uma casa que não tem condições. Há aqui alguma coisa que não está bem. Falta-lhe aqui qualquer coisa. É pena. Aqui a gente paga conforme os nossos rendimentos.”
Foi o atual presidente que anunciou obras para o bairro Afonso Costa, com recurso a fundos do PRR, e tanto Maria Georgetta como José Ribeiro querem que André Martins continue a trabalhar.
“Este mandato do presidente que lá está, não fazia diferente daquilo que ele faz, porque ele é uma pessoa acessível. Você tem um problema, vai falar com ele, ele só se não puder [é que não ajuda]. É uma pessoa muito acessível. Uma pessoa que está sempre disposta, seja o que for. Ainda podia continuar mais uns anos para ver o que ele precisava ainda de fazer ou talvez mostrar aquilo que ainda não mostrou”, diz a presidente da associação de moradores.
Também José Ribeiro gostava de ver este presidente da Câmara a continuar no cargo. “Com certeza, isso é 100%. Para já é uma pessoa muito acessível a todos os níveis. E não só. Está sempre disposto a ajudar naquilo que for necessário. E tanto fazê-lo, como foi já dito pelo presidente da junta, também não temos nada a apontar nesse sentido.”
Além da habitação, entre as dificuldades apontadas por estes moradores estão a mobilidade, a falta de estacionamento e a falta de emprego.
O atual executivo da Câmara de Setúbal, liderado pela CDU, tem vereadores eleitos do PS e PSD. Como ficará a composição para os próximos quatro anos, é para descobrir no dia 13 de outubro.
