Alteração que o Governo quer fazer ao acesso à nacionalidade é "profundamente estúpida". Especialistas defendem que há pontos inconstitucionais na lei
Após ser conhecido o parecer dos constitucionalistas Jorge Miranda e Rui Tavares Lanceiro, que falam em pontos da lei da nacionalidade "constitucionalmente inadmissíveis", Vitalino Canas avisa na TSF que esta é uma questão mais política do que jurídica. Também Bacelar Gouveia aponta inconstitucionalidades
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O constitucionalista Vitalino Canas acredita que a alteração que o Governo quer fazer ao acesso à nacionalidade é "profundamente estúpida". Apesar de admitir que a lei levanta questões jurídicas importantes, Vitalino Canas sublinha que esta é, sobretudo, uma questão política. "O direito não decide tudo e é política, sobretudo, que deve presidir", defende na TSF o constitucionalista.
Vitalino Canas acrescenta que "o país corre o risco de se extinguir daqui a um século, por ter uma linha demográfica descendente", afirmando ainda: "Se no tempo em que éramos um império, para as autoridades da altura, poderia fazer sentido restringir a nacionalidade, para evitar que outros povos pudessem ter alguma influência na vida política portuguesa, quando já não se é um império, e até há gente que quer sentir-se portuguesa, acho que é profundamente estúpido que esteja a restringir exclusivamente o acesso à nacionalidade portuguesa".
Esta sexta-feira foi conhecido o parecer do constitucionalista Jorge Miranda, que assina com o advogado Rui Tavares Lanceiro, especialista em Direito Administrativo e Constitucional, onde consideram que algumas das alterações à Lei da Nacionalidade, propostas pelo Governo, são inconstitucionais, sendo que há pontos que são considerados "inadmissíveis". É o que avança o jornal Expresso, que teve acesso ao parecer que vai ser enviado aos grupos parlamentares e ao Presidente da República.
Um dos problemas apontados pelo parecer prende-se com o facto de a proposta do Governo ter retroativos a 19 de junho, porque, segundo o Executivo, houve um aumento dos pedidos de aquisição de nacionalidade, assim que as alterações foram anunciadas. Mas os especialistas defendem que a pretensão do Governo "viola a proibição de aplicação retroativa" de leis que restringem direitos, liberdades e garantias e que é também "menorização incompreensível do Parlamento", que só vota o diploma esta sexta-feira.
O documento considera ainda "constitucionalmente inadmissível" a proposta de o prazo para requerer a nacionalidade só contar a partir da entrega do pedido de legalização. Os peritos dizem que a situação cria incerteza sobre o início do prazo e assinalam que duas pessoas que façam o pedido de legalização ao mesmo tempo, podem não ter uma resposta em data igual e assim o prazo para conseguir a nacionalidade será diferente.
O parecer afirma ainda que as limitações à interposição de ações judiciais urgentes contra a Agência para a Integração Migrações e Asilo (AIMA) em relação ao agrupamento familiar são uma restrição ao direito de acesso à Justiça.
Quanto à retirada da nacionalidade a quem comete crimes graves, os dois peritos afirmam que a medida viola os princípios da igualdade, proporcionalidade e universalidade, ao distinguir os portugueses de origem e os portugueses por naturalização.
Este último ponto, tem sido o mais debatido. O constitucionalista Jorge Bacelar Gouveia concorda com a ideia de os portugueses naturalizados perderem a nacionalidade, mas apenas no caso de terem cometido crimes graves. "A questão da perda de nacionalidade, poderá ser inconstitucional se se aplicar a crimes menos graves, agora, se for a crimes muito graves contra o Estado, não vejo qualquer problema, mas têm de dizer quais são os crimes, não basta dizer que são crimes que tenham uma pena superior a cinco anos, porque isso há um pouco de tudo, desde o roubo ao homicídio ou ao terrorismo. São crimes de gravidades diferentes, embora tendo todos a mesma pena acima de cinco anos", detalha na TSF Bacelar Gouveia.
O constitucionalista considera, no entanto, que é inconstitucional a retrospetividade pedida pelo Executivo. "Considerando que o prazo maior já entrou em vigor, sem a medida ter sequer entrado em vigor, o que só deverá acontecer em setembro, a meu ver é a principal inconstitucionalidade", sublinha. O especialista defende que o diploma, a ser aprovado pela Assembleia da República, deve ser enviado ao Tribunal Constitucional.