"É melhor uma boa amizade do que uma má relação". O primeiro-ministro diz que "não seria o melhor caminho" ter PCP e BE num futuro executivo. E avisa que a esquerda não deve andar "obcecada" com os resultados do PS.
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Bem pode o Bloco de Esquerda dizer que "está pronto para governar", António Costa não tenciona ter a esquerda sentada à mesa do Conselho de Ministros porque "é melhor uma boa amizade do que uma má relação" entre o PS com o Bloco de Esquerda, PCP e PEV.
Em entrevista à agência Lusa, o Primeiro-Ministro diz que "se o nível de divergência for significativo, como é, eu creio que não seria o melhor caminho". E responde ao Bloco com uma frase do...PCP.
"O PCP tem, aliás, uma boa frase sobre isso: O grau de compromisso depende do grau de convergência. Se nós estivéssemos 100% de acordo, bom, provavelmente até fundíamos os partidos. Se temos partidos diferentes é porque não estamos 100% de acordo"
Está dada a resposta aos avanços recentes do Bloco de Esquerda:"devemos preservar uma boa relação, sem prejuízo de que, como em todas as relações, possa haver evoluções. Agora, acho que não faz sentido começar a discussão se há ou não há um Governo conjunto antes de se saber sequer se há ou não há uma posição conjunta", defende.
António Costa prefere entendimentos com a esquerda em matérias sociais como saúde, educação e combate às desigualdades. "Há muito a fazer para reduzir as desigualdades e para erradicar a pobreza, há muito a fazer para o desenvolvimento e para reforçar a coesão territorial com o interior. Portanto, não faltam temas para continuarmos a trabalhar em conjunto - e assim espero. Só desejo que os outros também assim o desejem continuar a fazer", diz o Primeiro-Ministro.
De fora ficam as eternas divergências entre PS e a esquerda, como as questões europeias e de defesa nacional.
"Só se não tivesse vontade de chegar a um entendimento com os outros é que punha como condição haver acordo sobre matérias em que, à partida, já sabemos que não vai haver acordo", explica Costa que insiste na tese de que não faz "depender da existência de maioria ou ausência de maioria a manutenção destas posições conjuntas com o PEV, PCP e Bloco de Esquerda".
Se a esquerda já começou a guerra ao "voto útil", tentando afastar o cenário de uma maioria socialista, António Costa diz esperar que que Bloco de Esquerda, PCP e PEV "não vivam obcecados com os resultados eleitorais do PS" e garante que o PS vai a eleições "não concorrendo contra ninguém".
Costa "não sabe bem de onde veio a ideia" de Rio como vice-primeiro-ministro
Enquanto afasta a hipótese de um bloco central, "salvo em situação extrema", António Costa limita-se a dizer que Rui Rio "tem feito a oposição que entende fazer" e, numa referência ao debate orçamental, acusa o PSD de "esquizofrenia" porque " por um lado, diz que é um orçamento em que o défice deveria ser menor e que é uma verdadeira orgia orçamental, mas, depois, as únicas propostas que apresenta são propostas que ou diminuem a receita ou aumentam a despesa."
Mas Costa é mais duro e expansivo na crítica ao estilo de oposição da era Passos Coelho. "Não é normal na vida política acontecer o que acontecia com a anterior liderança do PSD, que era existir um grau de conflitualidade exacerbado que, objetivamente, era muito penalizador do funcionamento da democracia".
Confrontado com a tese de que Rui Rio pretende no fundo ser seu vice-primeiro-ministro num futuro Governo, António Costa responde: "Eu ouvir, ouvi, mas não sei bem de onde é que vem essa ideia, visto que eu próprio já explicitei várias vezes que considero a existência de blocos centrais, salvo em situação de calamidade extrema, negativa para a democracia".
"Da parte do doutor Rui Rio, por acaso, tenho ouvido exatamente o mesmo, que é entender que o Bloco Central é uma forma anómala em democracia de governação, salvo em situação extrema", observa.
Um OE que previna "tempestades"
Na entrevista à agência Lusa, António Costa volta a criticar o entendimento entre esquerda e direita para contabilizar todo o tempo de serviço congelado aos professores considerando que "não é sério" porque "onde PSD e CDS congelaram", o atual Governo "descongelou".
O Primeiro-Ministro renova a crítica à "intransigência" aos sindicatos que diz terem apresentado "uma barreira inamovível" em torno da exigência dos nove anos, quatro meses e dois dias e estima que o impacto global financeiro seria na ordem dos 600 milhões de euros.
"Esses 600 milhões de euros não existem no Orçamento. Nem vi ninguém até agora dizer onde é que cortamos para compensar esses 600 milhões de euros, ou onde é que vão buscar receita para pagar esses 600 milhões de euros. Portanto, propor é fácil".
Já sobre o impacto orçamental de uma eventual aprovação da proposta Costa lembra que "a 'lei travão' está na Constituição".
Perante a contestação de vários setores, nomeadamente na Saúde, o chefe do Governo cita a letra de uma canção de Sérgio Godinho: 'a sede de uma espera só se estanca na torrente', para dizer que "de repente, toda a gente quer tudo e já. Mas avisa que tudo depende de ter "contas certas".
É, por isso importante, na leitura do primeiro-ministro, que depois de analisadas as quase mil propostas de alteração ao Orçamento de Estado para 2019, vingue o equilíbrio e "uma receita que já demonstrou dar bons resultados".
O futuro não é isento de riscos, como mostram as questões do Brexit ou do Orçamento italiano, António Costa defende que "não nos devemos aventurar no mar e devemos ter em conta que devemos manter a proximidade necessária a um porto de abrigo para o caso de alguma dessas tempestades surgirem inesperadamente". Costa não espera, no entanto, deixar faturas para o próximo executivo até porque quer suceder a ele próprio.
"É porque temos em conta isso que tencionamos suceder a nós próprios e, portanto, não queremos criar hoje problemas que tenhamos de gerir no próximo ano".
IVA das touradas resolve-se com "diálogo de civilizações"
O primeiro-ministro assume divergência no PS sobre o IVA da tauromaquia, elogia Carlos César pela liberdade de voto na bancada socialista mas salienta que a proteção do bem-estar animal está no Programa do Governo.
"O PS é um partido de liberdade, onde cada um pensa pela sua cabeça. E, portanto, ninguém deve ficar surpreendido pelo facto de numa questão concreta, e pela primeira vez, aliás, em três anos, ter havido uma divergência entre a bancada socialista e o Governo. Considero que a questão foi inteligentemente resolvida pelo líder parlamentar, porque em vez de se socorrer da disciplina de voto, obrigando todos os deputados a votarem a proposta da direção da bancada, entendeu dar liberdade para poderem votar na proposta do Governo. Espero que a proposta do Governo [de manter o IVA da tauromaquia nos 13%], que me parece boa, seja aprovada na Assembleia da República", declara.
António Costa lembra que no discurso em que apresentou o programa do seu Governo no parlamento, em 2015, sublinhou que não abriu "uma trincheira de confrontação que exclua do diálogo democrático as restantes bancadas parlamentares" e cita a inclusão no Programa do Governo de contributos do PAN.
Questionado se a realização de touradas é para o seu Governo uma questão de civilização, António Costa refere que, numa recente carta aberta que escreveu ao dirigente histórico socialista Manuel Alegre, procura explicar o sentido dessa frase.
"Eu não acredito em guerras de civilizações. Acredito em diálogo de civilizações", defende o Primeiro-Ministro para sublinhar que "ninguém propôs sequer aqui a proibição das touradas, ou sequer um referendo sobre o tema da proibição das touradas. Estamos aqui simplesmente a discutir se às touradas deve ser aplicado um benefício fiscal que é introduzido neste Orçamento para a dança, para a música, para o teatro, para o circo, para um conjunto de manifestações culturais. O que estamos a discutir é isso", alega.
António Costa defende que a melhor solução é dar liberdade a cada um dos municípios para, como fez, por exemplo, o município de Viana do Castelo, num sentido, ou que fazem os municípios do Alentejo ou do Ribatejo, noutro sentido, cada um decidir se deve ou não deve permitir a realização de touradas no seu território". "Portanto, não defendo a homogeneização cultural. Defendo, sim, a pluralidade cultural, que é aquilo que é próprio de quem acredita num diálogo entre civilizações",vinca o chefe do Governo.