António Simões: "Vota, mas escolhe a quem deves dar o voto. Nunca tive medo do poder, tenho é medo de a quem se dá o poder"
O Voto é a Arma do Povo: as primeiras eleições livres em Portugal fazem 50 anos e a TSF convida 25 personalidades a falar sobre a importância da democracia participativa. O antigo deputado e ex-jogador do Benfica critica severamente a atual classe política, mas não deixa de apelar ao voto
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Mais velhos ou mais novos, em direto ou em vídeos antigos, os portugueses habituaram-se a vê-lo fazer fintas e marcar golos dentro das quatro linhas. Poucos sabem ou recordam-se que passou pela política e pela Assembleia da República. António Simões percebe o descontentamento do povo com os políticos, mas salienta que é preciso ir às urnas e compara a situação atual com a de 1975.
"O voto tem sempre o mesmo valor. É claro que nessa altura foi mais fácil estimular as pessoas para votar. Em primeiro lugar, porque era algo novo. Em segundo lugar, porque todo o environment [ambiente, em português] que havia à volta do 25 de Abril trouxe entusiasmo para que as pessoas votassem. Muitas das pessoas não votam hoje, porque há duas coisas que acontecem: a primeira é a desilusão de todo o processo até agora, após o 25 de Abril, e a falta de confiança nas pessoas que estão à frente da nossa política, à frente dos nossos partidos", diz o antigo jogador do Benfica à TSF.
E daí lança o apelo: "Eu voto sempre baseado num critério de escolha. Eu escolho a pessoa, eu revejo muito mais na pessoa do que no partido. Vota, mas escolhe a quem deves dar o voto. Nós quando damos o voto, damos a legitimidade para as pessoas governarem e é preciso ter muito cuidado a quem damos o voto. Eu nunca tive medo do poder. Eu tenho é medo de a quem se dá o poder, que é bem diferente. Mas não votar é não respeitar o dever de o fazer."
Já com 30 anos e na reta final da sua longa passagem pelo Benfica, António Simões estava em Lisboa quando se deu o 25 de Abril de 1974.
"Estava em casa quando isso aconteceu. No outro dia, levantei-me de manhã, meti-me no carro para ir treinar. Nada se alterou connosco, com o nosso trabalho, com o 25 de Abril. Continuámos, não houve interrupções de campeonato, não houve nada, portanto, nós continuámos no nosso trabalho. Confesso que não fui apanhado, não foi para mim uma grande surpresa. É surpresa porque naquele dia não estava a contar, mas deu-me a sensação que nós não estávamos muito, muito longe disso acontecer e aconteceu", explica.
Nada mudou dentro do campo, mas muito mudou fora dele. Ainda antes da Revolução dos Cravos, o antigo jogador do Benfica já era sindicalista.
"Eu comecei com a luta da criação do sindicato que veio a constituir-se em 1972. Mas tudo começa em 1967, quando eu manifesto o meu desagrado das relações entre os clubes e os jogadores, que não existia, só passou a existir depois, com a minha ousadia. Paguei um preço por causa disso. Mas com certeza que o 25 de Abril libertou os jogadores e deu direitos que os jogadores que não tinham. Embora o sindicato tenha sido criado em 1972 e é o terceiro sindicato do país", exalta.
Teve ajuda nesse processo: "Eu muito lutei por isso, paguei um preço por isso e, mais tarde, com a ajuda do Eusébio, do Hilário, do Toni, do Artur Jorge, do Pedro Gomes, foram todos ex-jogadores que ajudaram à construção do sindicato. Quando se deu o 25 de Abril ainda havia que lutar pela liberdade constitucional dos direitos dos jogadores. Depois veio acontecer mais livremente, até devo dizer que se passou um bocadinho do 8 para o 80, ou seja, antes do 25 de Abril não tínhamos direitos nenhuns, depois, começou-se a rescindir contratos por questões psicológicas. Nem tanto ao mar, nem tanta terra. Também não havia razão para ir tão longe. Depois disso é que se criou o equilíbrio."
Aliás, o futebol português, de acordo com António Simões, até foi pioneiro a nível internacional no que toca aos direitos laborais dos atletas.
"A lei Bosman, que aparece muito mais tarde, aconteceu em Portugal. Eu lutei por isso, ou seja, eu criei a lei Bosman antes daquela que existiu. Nunca mais foi igual aquilo que foi a relação entre os jogadores e os clubes a partir do 25 de Abril", assevera.
Em 1975, Portugal foi a votos para a Assembleia Constituinte e António Simões não foi apenas mais um eleitor. O antigo jogador integrou as listas do CDS-PP por Setúbal, não sendo eleito. Mas, antes de contar essa história, deixa duras críticas ao 25 de Abril e ao pensamento político pós-revolucionário.
"O 25 de Abril não foi para todos. Isso é mentira. O 25 de Abril foi para a maioria dos portugueses, mas não foi para todos. Não partilhei a escolher aquilo que era cavalo bem montado, que era ser de esquerda. Ainda hoje o país sofre um complexo de esquerda. Eu nunca precisei de esquerda para ser um homem que fui e sou. Eu nunca precisei de ser de esquerda para estar disponível para os outros. Eu nunca precisei de ser de esquerda para ajudar os outros e fi-lo muitas vezes", considera.
E foi isso que o fez ser abordado por Diogo Freitas do Amaral: "Eu ia dizendo algumas coisas. Não é por acaso que o Freitas do Amaral mandou um emissário ter comigo ao Estádio da Luz para falar comigo. E isso aconteceu porque eu sempre fui um homem livre no pensamento e dizia coisas antes do 25 de Abril, que depois foi muito fácil para outros o dizerem. Portanto, eu disse que sim, aceitei o convite, mas sem ser filiado no partido. Faria-o com o estatuto de independente. Se aceitassem, muito bem, eu aceitaria o convite. E foi isso que aconteceu, concorri com o estatuto de independente e claro que sendo pelo círculo de Setúbal. Nessa altura, era quase completamente impossível eu ser eleito. Não fui."
Não foi em 1975, mas foi em 1976, nas primeiras eleições legislativas. Já estava nos Estados Unidos da América a jogar pelos San Jose Earthquakes e acabou por concorrer e ser eleito pelo círculo Fora da Europa.
"Fiz é esse mandato a partir de 1976. Já tinha saído Benfica. Já tinha a minha atividade nos Estados Unidos, mas vim. Fiz aquilo que o meu coração me mandou e sinto-me feliz por ter feito. Porque tive a oportunidade de melhorar substancialmente todos os nossos emigrantes, que até ali qualquer coisa que queriam trazer para Portugal, pagavam impostos. Deixaram de o fazer. Além de muitas outras coisas que eu consegui. Eu não precisei, mais uma vez, de escolher o lado em que estava, a não ser aquele que era ajudar os emigrantes a melhorar as suas condições das coisas que queriam trazer para Portugal. O país tinha necessidade das remessas dos emigrantes, mas não lhes dava nenhuma regalia para poder organizar a sua vida. Eu fiz tudo isso para com os emigrantes e quando olho para trás, sou um homem feliz por ter feito", recorda.
E como é que se conciliou a política com o futebol, ainda por cima com um oceano pelo meio? "Não só a temporada era muito mais curta do que aqui, como ainda eu vinha e tinha autorização do clube para vir e aqui ficar durante algum tempo. Consegui conciliar com compreensão, quer por parte do partido que representava na Assembleia, quer por parte do clube. E consegui isso e foi uma experiência extraordinária porque a responsabilidade acrescida por estar na Assembleia da República, mais a responsabilidade que eu bem conhecia de ser um atleta profissional, deu-me uma endurance e uma experiência extraordinária para a minha vida."
Hoje, com todo este passado pela política e pelo futebol, António Simões não deixa de criticar a classe política e a relação do poder com o desporto rei.
"Na maioria dos políticos em Portugal, é mentira que querem servir o país. Isso é mentira. A mesma coisa que o regime antes do 25 de Abril se serviu do futebol, hoje a política tem medo do futebol e a política serve-se a si própria. Serve as pessoas que vão para lá e não com o sentido de servir o país. É mentira que existe uma democracia para todos. É mentira que os nossos políticos têm como primeiro objetivo servir o país. Tudo isso é mentira. Nós vivemos numa democracia mentirosa. É exatamente o que acontece em Portugal", argumenta.