Foram dez meses de debates acalorados e momentos insólitos: houve uma falsa ameaça de bomba, houve um cerco aos deputados, houve suspensão das sessões por "pandemónio".
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Por partes:
O cerco
A meio de novembro de 1975, cerca de mil trabalhadores da construção civil, em luta pelo contrato coletivo de trabalho, cercaram o edifício.
Cá fora gritavam-se palavras de ordem e assavam-se sardinhas, lá dentro, os deputados esperavam, uns sentados nas escadas, outros dormitando com a cabeça apoiada nas bancadas.
Durante 36 horas os deputados constituintes foram impedidos de deixar São Bento.
Na madrugada de dia 14, os dirigentes sindicais e o primeiro-ministro Pinheiro de Azevedo chegaram a um acordo, comprometendo-se o primeiro-ministro a colocar em vigor o Contrato Coletivo de Trabalho a partir do dia 27 de novembro. Foi aí a famosa tirada "Chateia-me ser sequestrado!"
No rescaldo, houve quem sugerisse mudar os trabalhos para o Porto. A proposta não vingou.
Mas um cartoon da época mostra os deputados de malas, às costas, rumo ao Porto.
A "falsa" bomba
E houve uma ameaça de bomba que afinal, foi falso alarme. Os serviços de segurança pediram para que a sala fosse evacuada, houve protestos de quem via no alarme, uma ameaça "burguesa" e queria falar "com bombas ou sem bombas".
O batismo
Era preciso escolher um nome para a nova Assembleia.
Nem Assembleia Legislativa, nem Assembleia Nacional, nem Câmara dos Deputados, umas e outras tinham conotações que desagradavam, ora a uns, ora a outros.
E eis que, pelo meio do debate, se levanta Mota Pinto.
Diz que não se impressiona com o "fetichismo das palavras", ironiza sobre o momento de "ócio criador" que a Assembleia vivia e sugere "pura e simplesmente" que o novo órgão se chame "Assembleia da República", por ser "colegial e por traduzir a República".
Apoio unânime: o nome foi aprovado com vivas à República.
Rever, quando?
Entre os pontos quentes da discussão, estiveram os limites da revisão constitucional.
As opiniões divergiam entre quem queria a possibilidade de mexidas e quem não queria alterações, pelo menos, durante quatro anos, o tempo de uma legislatura.
Foi a tese que acabou por triunfar. E um dos reparos que, na altura fez Marcelo Rebelo de Sousa.
Deputados e jornalistas
Em março de 76, o jornal Comércio do Porto titulava "3 horas e meia para aprovar um artigo".
Num processo seguido de perto por uma imprensa, pela primeira vez, livre e com espírito crítico, também houve , atritos com os parlamentares.
Como quando, depois de uma tirada irónica de Medeiros Ferreira sobre os diferentes relatos da mesma sessão, os jornalistas, em protesto, abandonaram a sala, entre aplausos e apupos das galerias, provocando a suspensão da sessão.
Declaração de voto de Marcelo Rebelo de Sousa - "Avanço reformista para o socialismo humanista"
O então deputado do PPD assinou uma declaração de voto onde sublinhava que a Constituição era "apenas o primeiro passo para a institucionalização da democracia".
Marcelo votou a favor "com convicção" de que "com todos os erros e defeitos", a Constituição era "um marco histórico fundamental na institucionalização da democracia e no avanço reformista para o socialismo humanista", em Portugal.
Na declaração de voto que assinou com outros dois deputados do PPD (Coelho de Sousa e Mário Pinto), Marcelo Rebelo de Sousa destacava como "pontos negativos": a não-consagração "expressa" do princípio do Estado de direito, da inviolabilidade da pessoa humana, da liberdade do ensino privado e da sua equiparação ao ensino do Estado.
O deputado constituinte considerava também "errado" não se ter aberto a porta à hipótese de revisão constitucional, durante a I legislatura.
Ainda assim, para Marcelo o saldo era "francamente positivo", manifestando-se "esperançado de que tudo seria feito para que a democracia triunfe irreversivelmente em Portugal".
Marcelo Rebelo de Sousa sublinhava que a aprovação da Constituição era " apenas o primeiro passo para a institucionalização da democracia" e fazia votos para que outros passos "se não percam por incúria grave dos democratas e dos partidos democráticos portugueses".